Adiós! Fim de uma tradição. As touradas estão proibidas em Barcelona e
em toda a Catalunha. Vale uma revelação estonteante: as tradições têm começo,
meio e fim. Não são eternas. Nem intocáveis. Nascem, crescem e morrem.
Dependem das sensibilidades de cada época. Houve um tempo em que maltratar
animais era considerado normal. Os bichos eram instrumentos e brinquedos dos
homens. Era comum que marmanjos se divertissem "judiando" de
animais. A "farra do boi", praticada em Florianópolis, sempre foi
uma dessas maldades protegidas pela tradição trazida de além-mar. A doma
violenta, no Rio Grande do Sul, foi durante muito tempo a única maneira de
adestrar cavalos, mas era também um modo de liberar certa perversidade,
inconsciente ou não, típica do bicho homem, um ser que encontra prazer na
agressividade e na violência lúdica.
Ernest Hemingway, Prêmio Nobel da Literatura, que gostava de touradas
e de fanfarronices, escreveu que "matar limpamente, de modo a produzir
prazer estético e orgulho, sempre foi um dos grandes prazeres de parte da
raça humana". Hemingway foi um homem do seu tempo. Em "O Sol Também
se Levanta", ele pintou com maestria esse gosto dos seus contemporâneos
por sangue animal: "Montoya desculpava tudo num toureiro que tivesse afición.
Desculpava os ataques de nervos, o pânico, os erros inexplicáveis, toda a
sorte de lapsos. Em suma, àquele que possuía afición, Montoya perdoava tudo.
Perdoou-me imediatamente por todos os meus amigos. Sem dizer coisa alguma,
considerava-os simplesmente como algo um pouco vergonhoso entre nós, como o
ventre rasgado dos cavalos, nas touradas". A guerra também não era uma
vergonha. Filmes recentes mostram a "fissura" de soldados
americanos pelas situações bélicas de extremo perigo.
No Brasil, atualmente, os rodeios, tão ao gosto dos
"caubóis" do interior de São Paulo, representam uma moderna
tradição de crueldade. Hemingway racionalizava o seu gosto alegando que o
touro tinha a sua chance e que o toureiro arriscava a sua vida.
Estatisticamente falando, os riscos enfrentados pelo touro sempre foram
maiores. Os animais já foram escravos dos homens. É verdade que agora alguns
homens querem se tornar escravos dos animais. Faz parte certamente da chamada
dialética senhor e escravo. Os seres humanos submetem ou são submetidos. Uma síntese
atual seria a submissão voluntária. É outro papo. As tradições cruéis estão
com os dias contados. As perseguições a touros e bois pelas ruas das cidades
podem ser rotuladas de bullying contra quadrúpedes condenados.
Aqueles que faturam com touradas, apoiados em argumentos
antropológicos relativos ao respeito às diferenças culturais, tentarão
reverter a proibição aprovada na Catalunha. O argumento mais forte, contudo,
é de natureza econômica e "social": as touradas criam empregos,
movimentam a economia, alimentam famílias, garantem o sustento de crianças e
melhoram as receitas públicas. Qual o direito prioritário: o dos animais, o
da tradição cultural ou o da produção de riqueza? Qualquer um que não seja
cínico sabe a resposta. Os aficionados poderão matar as saudades lendo
Hemingway”.
Autor:
Juremir Machado da Silva.
Fonte do texto
|
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Tradições cruéis
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário