Raízes de Viamão









RAÍZES DE VIAMÃO





As “Raízes” (de Viamão) geram um processo interessante, senão vejamos:

Em 1989 a Prefeitura Municipal edita a obra denominada “Nossa Senhora da Conceição de Viamão, uma comunidade em busca de suas raízes”. O renomado historiador Moacir Flores organizou uma publicação que temos no nosso acervo. Além disso, na página das Resenhas, você encontra uma síntese do trabalho referido.

 Em 2008 o poder público local lançou um livro sobre a história da cidade denominado: "Raízes de Viamão". Organizado pela historiadora Vera Lucia Maciel Barroso, o compendio possui 1456 páginas. A resenha completa do livro “Raízes de Viamão” está sendo processada e será disponibilizada em breve, aqui neste espaço.

Um olhar panorâmico poderia afirmar: a cidade parece ter encontrado, finalmente, as suas “raízes” (históricas). Mas tenho lá as minhas dúvidas sobre o que de fato ocorreu nestes quase vinte anos de trajetória dos “pensadores” da Cidade de Viamão. Digo isto, pois tive a oportunidade de participar do projeto “Inventário Participativo de Viamão” e, sem sombra de dúvida, aquele foi o momento em que a municipalidade se aproximou mais do que podemos chamar de pesquisa efetiva sobre as tão famosas e faladas “Raízes da Cidade de Viamão”. Este trabalho também está no acervo AAPC / Cesajo e pode ser acessado pelos pesquisadores interessados em conhecer a publicação que foi lançada em 1999 pela Secretaria de Cultura.

  

 


Viamão



Enquanto você aguarda pela resenha completa do livro "Raízes de Viamão", trazemos como opção de leitura a oportunidade de acompanhar a obra denominada "Viamão" (segundo JacquesJa).








Viamão

TEXTOS DE
JACQUES JACOMINI
VIAMÃO
Viamão
FICHA CATALOGRÁFICA

JACOMINI, Jaques Xavier. Viamão: Ed. AAPC / CESAJO, 2001.

1. História do Brasil; 2. História do Rio Grande do Sul; 3. Historia de Viamão; 4. Antropologia Social






Todos os Direitos desta edição estão reservados ao autor e entidades associadas.
Publicação da ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DA CULTURA DE VIAMÃO (AAPC) e
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS E ANTROPOLÓGICOS JERÔNIMO DE ORNELAS (CESAJO)
Av. Liberdade – Santa Isabel - Viamão – RS



Apresentação

Viamão (a presente obra) é um arranjo de diversos textos produzidos em diferentes momentos da minha vida, no transcurso dos últimos anos vividos aqui na velha capital dos gaúchos. Dentre estes textos alguns foram apresentados em jornais locais na forma de artigo, outros não saíram do âmbito do gabinete de trabalho e o último foi apresentado na academia, onde obtive o título de especialista em Antropologia Social.
Viamão (a cidade) está como pano de fundo para quase toda a minha obra, portanto esta publicação leva o nome da Cidade. Local vivido, estudado e pensado nas três últimas décadas por este que apresenta a sua própria obra.
Relendo os textos produzidos, percebi que são bastante atuais e necessitavam de uma “nova chance” de figurar entre nós, agora para um cenário mais amplo. Percebo, também que denotam nitidamente um momento muito específico da minha trajetória de produção intelectual, portanto, muito em breve, deve surgir outras construções bem diferenciadas.
Nesta publicação o leitor encontrará inicialmente o desenvolvimento de alguns temas originários da área de Antropologia. Em seguida, apresento aspectos da história e da cultura viamonenses, com espaço para algumas das atividades realizadas pelas entidades em que atuamos. Decidi inserir uma monografia que traz um estudo comparativo entre duas importantes localidades (ou centros urbanos) importantes da Cidade de Viamão. E, no final, como que para relaxar, deixo falar a imaginação proética (prosa + poética), apresentando algumas construções do gênero.

Í ndice


CAPÍTULO 1
Apresentação
Temas em Antropologia
Você Tem Cultura ? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04
Cultura X Natureza . . . . . . . . . . . . . . . . . 05
Evolucionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06
A Natureza Humana e a
Cultura Autofágica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07
A Verdadeira Amizade
Transcende a Vida . . . . . . . . . . . . . . . . . . 08
A Música de Delcio Dorneles . . . . . . . . . . . . 09
A Felicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
Etnocentrismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Dia de Finados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Ritmanálise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
O que ocorre a um Prego (...) . . . . . . . . . . . 14


CAPÍTULO 2
Viamão . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Fatos Históricos e Culturais . . . . . . . . . . 17
Viamão por Saint-Hilaire . . . . . . . . . . . . 24
Patrimônio Cultural Ameaçado . . . . . . . . 28
Trabalho Ecológico . . . . . . . . . . . . . . 29
Exposição Fotográfica . . . . . . . . . . . . . 29
“Tombamento” de um Prédio Histórico . . . . . . . 31
Viamão, e daí ? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32










O Fascínio do Lago . . . . . . . . . . . . . . . 33
Itapuã . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
O Lixo e a Cultura . . . . . . . . . . . . . . . 35
Os Ladrões Públicos e o Crime Perfeito . . . . . 36
E que venha 2002 – um ano de decisões . . . . 37
Sinalização Equivocada . . . . . . . . . . . . . . . 40
Talentos da Região . . . . . . . . . . . . . . . . . .42
Festa da Paróquia da Santa Isabel . . . . . . . . . 42

CAPÍTULO 3
As Festas Populares Religiosas de Santa
Isabel e de Nossa Senhora da
Imaculada Conceição . . . . . . . . . . . . . . 43

CAPÍTULO 4
Pérolas (Poesias) . . . . . . . . . . . . . . .57
Uma Mala na mão, Um Sonho no Coração . . . . 58
Dinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Tributo ao Morro Santana . . . . . . . . . . . . . 61



C a p í t u l o
1
TEMAS EM ANTROPOLOGIA

Este primeiro capítulo, denominado “Temas em Antropologia” reúne pequenos textos informativos, divulgados originalmente na forma de artigos impressos em jornal, que tem como tema central a antropologia social e o seu universo de análise e estudo.
Na condição de viamonense, conhecendo a mais de trinta anos a nossa cultura e a nossa gente, percebi que o tema da antropologia ainda era uma página em branco na nossa história literária e jornalística recente. Após ter realizado diversas pesquisas sobre a historiografia geral da nossa cidade e diversas leituras em trabalhos recentes, não encontrei nenhum registro que possuísse ou versasse sobre a antropologia propriamente dita. Este fato me causou espanto e perplexidade, pois muitos dos escritores, muitas vezes, “passam ao lado” da antropologia sem perceber ou mencionar conscientemente isto, ou então, aqueles que se propõem (na atualidade) a falar sobre ou usar da antropologia para as suas construções, não conseguem vencer os jargões e preceitos mais gerais conhecidos por qualquer indivíduo que tem como universo de análise apenas o senso comum. Ou seja, antropologia mesmo não há.
Diante deste quadro sombrio de desinformação, desde a condição de acadêmico da área da Antropologia Social, decidi escrever pequenos textos (não técnicos) que oferecessem um novo horizonte de entendimento da nossa própria realidade social. Surge, então as primeiras dificuldades: como transformar textos muito especializados, sustentados em uma linguagem acadêmica, com muitas páginas, notas, referências, etc. em pequenos textos jornalísticos, apenas informativos e que não passasse do nível de entendimento do cidadão médio viamonense. Foi um grande desafio, mas penso que consegui atingir o alvo.
Nas próximas páginas apresento, por exemplo, a Antropologia como ciência, o contexto do seu surgimento e os pensadores que a cunharam, informações básicas mas pouco conhecidas entre nós. Decidi também tratar de temas “antropológicos” que fazem parte do dia a dia das pessoas comuns, como o conceito de Cultura, trabalhados com uma roupagem mais analítica e reflexiva, pois há uma grande confusão entre cultura, conhecimento intelectual formal, conhecimento empírico, arte erudita e coisas do gênero. Falo do dualismo cultura versus natureza, outro tema bastante controvertido e confundido entre nós, além de outros temas de interesse. Espero que apreciem este capítulo.


VOCÊ TEM CULTURA ???
Essa pergunta está presente no imaginário da maioria dos indivíduos contemporâneos. Infelizmente, na maioria das vezes, as noções de cultura e conhecimento se entrelaçam e se confundem.
De forma arrogante, quando se quer menosprezar alguém, ao nível do senso comum, se afirma: Você não tem cultura !!!
Mas será que esta afirmativa procede ? E o que é, de fato, Cultura ??
Existem vários conceitos e definições para o termo, ficaremos com apenas três: O primeiro pensador que definiu o termo foi Edward Burnett TYLOR em 1871. No texto intitulado “Primitive Culture” (Cultura Primitiva) ele afirma “Cultura (ou civilização), em sentido etnográfico amplo, é qualquer complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e quaisquer outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade.” Foi a partir de então que um novo campo de conhecimento e investigação científica pode surgir: o antropológico.
No Aurélio (dicionário) o termo cultura é definido como: 1. Ato, ou efeito ou modo de cultivar; 2. O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade; civilização. Segundo Figueiredo, em seu Pequeno Dicionário de Língua Portuguesa, vemos algumas semelhanças de conceito e algumas diferenças. Cultura, além de ser o ato ou efeito de cultivar, é o estado de quem tem desenvolvimento intelectual, sinônimo de estudo, elegância e esmero.
O certo é que cultura não é algo que se mede em uma escala definida em valores ou em quantidades. A cultura está presente nas mais diversas civilizações, povos e grupos sociais, portanto não é correto afirmar para qualquer indivíduo: Você não tem cultura. Cada civilização, povo ou grupo possui as suas próprias expressões, padrões e universos culturais que são dados segundo o seu modo de interagir como o meio (social e ambiental) em que vive, maneiras de cultuar as suas divindades, crenças e cosmologias, enfim, segundo as possibilidades que cria para se afirmar enquanto seres humanos e / ou sociais. É importante salientar ainda que não podemos confundir nível intelectual (ou escolar) com “nível” cultural (até porque já afirmamos que não podemos medir a cultura em níveis), pois a cultura não é “ensinada” (ou apreendida) na escola tradicional / formal e sim transmitida de geração para geração através de modos dinâmicos e informais fluidos no dia a dia das pessoas.
O Antropólogo Roberto da Matta, percebendo a importância desta questão, construiu o texto denominado “Você Tem Cultura ?”. Esta é uma importante referência para todos aqueles que se interessam sobre este tema e que desejam conhecer de forma mais profunda esta discussão. A AAPC possui (e a coloca a disposição dos interessados) esta obra de referência sobre o tema, bem como diversas outras que contribuem para o movimento necessário de relativização dos nossos préconceitos que equivocadamente reafirmamos durante a nossa vida.





CULTURA X NATUREZA: Dualismo Ingênuo e Inoportuno para o qual a Antropologia tem resposta

A noção ou conceito de Cultura é algo que não pode ser resolvido ou definido em poucas linhas, porém não dá para reduzir a questão a um dualismo ingênuo, defendendo a idéia de que, numa relação entre Cultura e Natureza, tudo o que não é natural é cultural.
Na área das Ciências Humanas, a disciplina que se origina pelo estudo da Cultura é a Antropologia. A própria Antropologia, enquanto ciência, só surgiu a partir da definição de cultura que um cidadão chamado TYLOR elaborou. No seu original de 1871 ele afirma: “La cultura o civilizición, en sentido etnográfico amplio, es aquel todo complejo que inclye el conocimiento, las creencias, el arte, la moral, el derecho, las costumbres y cualesquiera otros hábitos y capacidades adquiridos por el hombre en cuanto miembro de la sociedad.” Preste atenção que neste conceito Cultura é entendido como sinônimo de civilização e que o autor fala em cultura no singular, como se na humanidade existisse um único todo ordenado que chama-se cultura. Atualmente, não se adota mais este conceito, pois acreditamos que temos na humanidade CulturaS diversas oriundas dos mais diferentes sistemas sociais que o homem conseguiu organizar e não uma Cultura humana única (no singular) que represente a elaboração criativa total do homem moderno.
A principal característica da Antropologia é o seu esforço de “Relativização” dos sistemas sociais, dos conceitos das ciências humanas, enfim de tudo que se perceba como possível de ser relativizado. Neste contexto, a maior bandeira antropológica é a negação de todo e qualquer “Etnocentrismo”, que a grosso modo pode ser denominado como a exaltação absoluta e irrevogável de determinada etnia, grupo social ou tribo urbana. Digo isso, para lembrar o início deste escrito. Absolutizar o conceito de cultura entre duas categorias estáticas, a própria e a natureza, é algo como estar trabalhando contra algo que por si só não admite nenhum tipo de dualismo ingênuo, as inúmeras culturas humanas existentes no globo. No universo da Cultura existe todo um arcabouço real ou imaginado de natureza, como também na Natureza existe todo um contexto dado e não dado que é cultural.
Ciência ainda nova e pouco conhecida entre nós, a Antropologia tem um grande legado científico que nos ensina: A maioria das coisas com que o homem se relaciona diariamente não são tão absolutas e definitivas quanto parecem ser.





EVOLUCIONISMO


O estudo dos processos sociais e históricos de definição das sociedades, civilizações, etnias e grupos humanos é encarada pelos evolucionistas como algo dado em uma escala métrica, gradual e ascendente.

O evolucionismo é uma teoria científica utilizada por historiadores, sociólogos e antropólogos entre outros cientistas sociais contemporâneos. Atualmente em franco desuso e com poucos adeptos, o evolucionismo acredita que os processos sociais, humanos e políticos seguem, mais ou menos, uma formação semelhante a feitura de um bolo. Inicia-se pela junção dos ingredientes, obtém-se a mistura desejada, leva-se ao forno, o cozimento e após o desenforme. Ou seja, popularmente falando, acreditam eles que, com a receita certa, bons ingredientes e fogo brando, nada poderá dar errado na confecção do bolo. Mas será que é sempre assim ?

A vida nos ensina que outros métodos de pensamento são mais interessantes e eficazes para explicar a evolução do homem e das sociedades. Nem tudo o que parece é, ou nem tudo o que é parece ser o que de fato é, porém essa já é uma outra história.












A NATUREZA HUMANA E A CULTURA AUTOFÁGICA


O homem é um ser social por natureza. Desde os primórdios dos tempos ele se reúne em grupos de afinidades para vencer as suas metas e objetivos.

Há uma necessidade natural do ser humano em se reunir em grupos a fins, com vistas a ter maior força de domínio das suas dificuldades. Estes grupos estão representados em nossa sociedade através da família, instituições religiosas, políticas e sociais. Com metas e regras bem definidas, cada um deles possui uma dinâmica própria e uma lei ou princípio de funcionamento básico e comum a todos eles: A defesa, valorização e respeito dos membros do grupo pelos seus próprios pares de convivência.

Existem, no entanto, grupos humanos que agem de uma outra forma e são reconhecidos por práticas autofágicas. A história e a literatura mostram que os grupos humanos que optaram pelo autofagismo apresentaram inexoravelmente uma extinção progressiva e gradual. Eles esqueceram apenas da uma regra básica de funcionamento dos grupos humanos: o respeito, a valorização e a defesa do próprio grupo. Será que existe alguma experiência deste tipo em Viamão ? Com a palavra o nosso leitor.










A VERDADEIRA AMIZADE TRANSCENDE A VIDA

Estamos até agora bastante abalados com a perda de uma grande amiga, vítima de um brutal acidente de trânsito. O conforto vem da fé cristã que cultivamos e nos seus ensinamentos.
Gilca Maria Goulart Oliveira era uma grande amiga pessoal e parceira em diversos projetos e ações da AAPC. Esposa do nosso querido amigo e colaborador Carlinhos (da Dupla Sertaneja Carlinhos e Pedrinho), músico, compositor e instrumentista com um trabalho muito importante em Viamão. Participou de diversos eventos conosco nos últimos anos. Em nosso convívio, Gilca demonstrou ser uma pessoa extremamente humana, solidária, amiga e fiel colaboradora na nossa caminhada. Esteve presente recentemente na 3ª Semana Cultural da Santa Isabel, acompanhando as apresentações do seu esposo, como fazia sempre nos demais eventos em que a Dupla Carlinhos e Pedrinho estava presente. Companheira e amiga, Gilca estava sempre disposta a colaborar e auxiliar com as pessoas que estavam ao seu entorno, especialmente com seus amigos. Gilca deixa uma importante história de vida para todos nós que continuamos a caminhada na defesa dos nossos ideais: Ainda é possível ser essencialmente e totalmente humano, diante de tanta desumanidade observada no mundo todo, ainda é possível ser solidário diante de tanta disputa e concorrência entre as pessoas, ainda é possível ser sensível e admitir esta sensibilidade, diante das regras duras e atrozes do sistema social contemporâneo ocidental capitalista. Ainda é possível sermos quem realmente somos, sem termos que encenar o tempo todo o que os outros gostaríamos que fossemos. Contudo, Gilca foi vítima de um acidente típico de um mundo urbano socialmente desordenado, desumanizado e repleto de agressões diárias e cotidianas que agridem a sensibilidade de quem se arrisca ainda a ser sensível.
Após termos sofrido com o falecimento de meu pai, mais uma vez neste ano encontramos-no nesta situação de perda e desaparecimento de um ente querido. Buscamos forças e sustentação nos princípios da fé cristão que nos ensinam a vencer estas dores com muita crença, orações e reflexão. Fica o apelo a todos aqueles que nos lêem, especialmente aos condutores de veículos automotores, para buscar no seu dia a dia a (re)humanização necessária nas relações sociais cotidianas, a fim de preservarmos os nossos próprios semelhantes, entes queridos, amigos e parceiros da nossa caminhada.
Amiga Gilca, descanse em PAZ !












A Música de DÉLCIO DORNELES

A Cidade de Viamão sempre foi um centro de grande produção musical, especialmente da música tradicionalista. Atualmente, temos acompanhado o trabalho de alguns expoentes desta tradição viamonense de cultuar as nossas origens e a nossa identidade riograndense, através da música. Dentre eles, merece destaque, o músico viamonense DELCIO DORNELES.
Delcio Dorneles é mais do que um músico, pois é responsável por um grupo de artistas, na sua maioria músicos, trovadores, poetas e escritores, denominado “Grupo de Arte Nativa Vertente Missioneira” que tem feito diversas apresentações aqui em Viamão e em outras cidades. Delcio alcançou uma projeção nacional, através de vários discos lançados desde o início de sua carreira artística, onde tem demonstrado um trabalho de alta qualidade musical, refinamento poético e grande capacidade de sincronizar o estímulo a propagação das tradições gaúchas e o aproveitamento das novas tendências da música tradicionalista gaúcha como a incorporação de instrumentos musicais modernos com tecnologia digital. Possui presença assídua em diversas rádios AM e FM, principalmente na Rádio Liberdade FM.
Selecionamos o CD – O Xucrismo do Rio Grande do Sul – de Delcio Dorneles em parceria com Lazir Matos para dar uma pequena demonstração da qualidade do seu trabalho musical. Gravado pela USA Discos / Nova Trilha, este CD possui 10 faixas, onde Delcio canta o seu amor pelo Rio Grande e pelas tradições gaúchas, especialmente pelos aspectos tradicionais e oriundos das Missões, tendo inclusive uma faixa específica sobre este tema denominada “Valores Missioneiros”. A canção intitulada “Depoimento”, 3ª faixa, traz uma interessante mensagem de estímulo e da importância de uma posição positiva diante das adversidades da vida moderna, afirmando: “quando caio não reclamo, nem da vida me mal digo, levanto, sacudo a poeira, dou meia volta e prossigo (...) a cada tropeço renasce um turbilhão de esperança (...)”. Neste contexto, onde o cenário sempre é a tensão entre os valores da vida campesina em relação à vida urbana, Dorneles arremata com uma estrofe muito significativa para os poetas e poetizas, quando afirma: “mesmo que seja oprimido, quem é poeta não se cala, consegue dizer cantando o que o povo sente e não fala”.
A música tradicionalista, enquanto expressão da nossa identidade regional, precisa ser valorizada e potencializada em todos os recantos deste Estado e também aqui em Viamão. Os músicos tradicionalistas viamonenses, por sua vez, são os porta-vozes desta tradição e necessitam de todo o apoio e estímulo do poder público local e das entidades de classe do meio artístico para poder continuar cantando as coisas da nossa terra. Eventos como o FEMUVI (Festival de Música de Viamão) são espaços que precisam ser retomados para a fomentação urgente e necessária da nossa riqueza cultural local.





A Felicidade

A palavra felicidade que usamos deriva do latim (felicitate) e é empregada na língua portuguesa para designar, entre outras coisas, a qualidade ou estado de quem está feliz, sinônimo de ventura, contentamento, bom êxito ou sucesso. A expressão felicidade também é relacionada à sorte, nas construções do tipo: Foi uma felicidade eu ter chegado a tempo, com o tráfego todo atrapalhado.
O arcabouço do imaginário humano construído na cultura ocidental capitalista moderna projeta a noção de felicidade às condições gerais do “Ter”. Impulsionado pela roda de sustentação da economia capitalista, o indivíduo é estimulado constantemente a consumir bens duráveis e não duráveis dispostos no mercado como símbolos de satisfação pessoal. Neste sentido, ser feliz é ser um indivíduo capaz de reunir as condições necessárias para adquirir bens de consumo que estão sempre associados à sentimentos de felicidade.
Mas o que é de fato esta tal de felicidade? Almejada por todos, incompreendida por muitos, alcançada por poucos?
É possível ser feliz em meio a uma guerra? É possível ser feliz longe dos bens de consumo oferecidos pela economia capitalista?
Formulei esta pergunta e elaborei a sua resposta ontem a noite, quando assistia o último capítulo da mini série produzida pela Rede Globo de Televisão denominada “A Casa das Sete Mulheres”. Uma belíssima produção artística que marca a história da televisão brasileira. Em especial para os gaúchos, que neste momento estão mais orgulhosos de descender dos homens e mulheres que protagonizaram realmente a epopéia Farroupilha. A mini série mostrou que mesmo durante o percurso da guerra que durou mais de dez anos, a família de Bento Gonçalves encontrava “momentos” de felicidade, por ocasião das poucas reuniões de família que eram possíveis naqueles trágicos anos de dor e sofrimento provocados por uma das batalhas mais sangrentas da nossa historia brasileira. Na cerimônia de celebração de casamento de uma de suas filhas (Perpétua), Bento Gonçalves conseguiu, em meio a Guerra dos Farrapos, reunir toda a sua família na sua estância para comemorar. Apesar das agruras da Guerra, Bento acompanhado da esposa, demais parentes e amigos, brinda o enlace da filha, a comemoração é regada por um grande banquete onde todos participam e se divertem durante a cerimônia. Logo em seguida, todos voltariam a viver o terror da guerra, os homens voltando para os campos de batalha e as mulheres rezando e preparando o retorno destes bravos heróis farrapos, muitos dos quais tombados à própria morte sem nunca mais terem o prazer do convívio familiar.
A Felicidade não é (e não pode ser) apenas o ato de “Ter” (o bem adquiro na prateleira do hipercentro de compras, moldado no universo capitalista de consumo). A felicidade é um “ato mágico” que pode estar representado nas coisas mais “simples” das nossas vidas como uma reunião de família, por exemplo. A Felicidade não é um estágio contínuo e infinito de bonança, satisfações e realizações em nossas vidas. A Felicidade é muito mais o instante, o momento, o dia, o local que pode ou não perdurar, só depende da nossa própria capacidade de sermos Felizes.




ETNOCENTRISMO e
A ARTE INDÍGENA HOJE



A arte indígena representa, entre outras coisas, a resistência cultural de um povo diante do intenso processo de aculturação ocidental-capitalista-moderna ao qual está submetido a vários séculos.
A moderna e ampliada divulgação dos princípios estéticos e artísticos dos “povos civilizados” (ou modernos) não consegui anular e extinguir algumas expressões artísticas dos “povos não civilizados” (ou primitivos).
Para entender esta dinâmica e esta tenção entre estas etnias, culturas e cosmologias citadas é inevitável que, em primeiro lugar, se tenha informações corretas e concretas a cerca de alguns aspectos históricos que cercaram este processo de tenção e negação das culturas “mais adiantadas” sobre as “culturas menos desenvolvidas”. Em segundo lugar, é necessário que se empenhe um profundo exercício de relativização cultural e étnica, sem o qual incorre-se em um equívoco sério que denomina-se “Etnocentrismo”.
Sobre este último aspecto cabe ressaltar que a relativização que falamos aqui é urgente e necessária não só em se tratando da relação índio X homem branco, mas de toda e qualquer aceitação “de outros grupos” que não o nosso próprio. As atitudes etnocêntricas, bem como as sociocentricas, culturocentricas, etc. servem exatamente para as propostas atrozes de extinção de raças, branqueamento de povos, limpezas étnicas. Sobre estas experiências sabemos que historicamente elas têm sido propagadas pelo mundo todo com um saldo extremamente negativo para toda a humanidade.
Arte é vida, arte é a construção real de um imaginário e uma cosmologia sonhada e construída no íntimo dos seres humanos. Antes de classificá-la com base em juízos de valor estritamente particulares e pessoais, é necessário que busquemos o entendimento e a compreensão dos seus significados, símbolos ou até mistérios.







Dois de Novembro, Dia de Finados


Está chegando o Dia de Finados. Mas o que é mesmo que representa este dia para nós ? Veremos !
Etimologicamente falando, a palavra “finado” denomina um indivíduo que faleceu ou representa uma adjetivação da noção de “defunto”. Mas as mães utilizam um termo parecido, dizendo fulano “finou-se”, para nomear a situação em que as crianças estão “finadas”. Veremos, então o significado de “Finar”: Acabar, findar, o mesmo que “Finar-se” que por sua vez significa definhar, consumir-se, falecer-se, morrer. Eu acho que não avançamos muito no entendimento da questão. Tentaremos novamente.
Antropologicamente, nas sociedades contemporâneas capitalistas, as noções de vida e morte, existência e inexistência estão associadas a sistemas culturais de valoração das condições de seres vivos e não vivos. Na esteira das ritualizações do homem moderno que encontra motivos para diversos rituais de passagem, os “finados” representam um grupo de pessoas que não possuem mais as mesmas propriedades que nós seres humanos vivos, pois estão mortos. Ritual de passagem da condição de “vivo” para a condição de “morto”. Grosso modo, a vida é associada a sentimentos de vigor, energia, potência física e mental, enquanto que a morte é associada a sentimentos de inexistência destas mesmas qualidades. No entanto, o imaginário social, propagando a idéia de vida (espiritual) após a morte (corpórea), cria um alento geral no sentido de que “nem tudo está perdido”, jargão popular muito usado para denominar este tipo de idéia. Sem querer entrar na polêmica das inúmeras impressões religiosas sobre o tema, destaco apenas estas idéias para dar a noção da dimensão cultural da problemática aqui abordada. Contudo, é bom lembrar uma análise fenomenológica que interpretaria este debate com bastante tranqüilidade: Bachelard, um dos maiores pensadores desta área, afirma: “A Vida é tão plena que há vida mesmo onde não há nada”.
Para concluir esta prosa, destacamos a necessidade de relativizarmos conceitos e valores já definidos pelo senso comum, quando falamos, por exemplo, sobre os “Finados”. Eu explico: a vida, grosso modo, pode representar o tudo, no entanto, pode representar o nada. Por sua vez, a morte pode representar o nada ou o tudo, dependendo da forma e do contexto em que estamos operando estes níveis de discurso e de entendimento da nossa realidade. Não devemos absolutizar noções, conceitos e valores, sob pena de estarmos podando as asas da nossa imaginação criadora.





O que é RITMANÁLISE ?
“A Energia Vibratória é a Energia da Existência.” BACHELARD
Vivemos o último inverno do século, a atual fase é de transmutação, mesmo que meramente cronológica, as palavras (ou sentimentos) do momento são crise, stress e mudança. Em tempos de crise e de profunda transformação de padrões e normas o campo é extremamente fértil para todo o tipo de especulações sobre a existência humana, sobre o mundo e o seu futuro. Segundo o que podemos perceber com o estudo que realizamos, a Ritmanálise não é apenas mais uma destas simples especulações sobre o homem e os fatos que o rodeiam.
As pessoas estão de fato preocupadas com as mudanças que vivenciam diariamente. As reestruturações sociais, econômicas e políticas do mundo moderno levam o ser humano a buscar (ou a necessitar) a sua própria reestruturação pessoal. A oferta de bens de consumo, técnicas espirituais, aparelhos e elementos de auxílio para os problemas de ordem emocional, psíquica e existencial são cada vez mais numerosos no mercado. Na maioria das vezes, temos apenas “mais um produto” ou “mais uma técnica” desprovida da seriedade científica necessária a sua perfeita implementação. Neste século, poderíamos destacar duas intervenções científicas que revolucionaram a vida do homem contemporâneo na sua relação consigo mesmo e com o meio ambiente que o cerca: A Psicanálise e a Ritmanálise. Sobre a primeira, Psicanálise, temos uma quantidade razoável de informações básicas que circulam entre nós, porém, sobre a segunda, Ritmanálise, pouco sabemos ou ouvimos falar. Em razão disto, trazemos para este espaço algumas noções esclarecedoras para o entendimento do que é Ritmanálise.
Bachelard toma de Lúcio Alberto Pinheiro dos Santos os principais pressupostos teóricos da sua “Fenomenologia Rítmica” para empenhar uma interpretação ondulatória do homem, através de uma psicologia do repouso associada a uma filosofia da poesia. Bachelard acredita que “a vida é ondulação” e que “a energia vibratória é a energia da existência”, portanto a análise e entendimento da natureza humana, com as suas inúmeras variações rítmicas e ondulatórias, deve ser realizada através da Ritmanálise. Nos ensina Bachelard “ (...) toda conquista de estrutura se acompanha de uma harmonização de múltiplos ritmos. A Vida, em seus sucessos, é feita com tempos bem ordenados; é feita, verticalmente, de instantes superpostos ricamente orquestrados; liga-se a si mesma, horizontalmente, pela justa cadência dos instantes sucessivos unificados numa função.” Na relação entre Psicanálise e Ritmanálise, Bachelard chama a nossa atenção para os limites da primeira em relação à Segunda: “De modo mais sistemático que a psicanálise, a ritmanálise procura motivos de dualidade para a atividade espiritual. Ela reencontra a distinção das tendências inconscientes e dos esforços de consciência; mas equilibra melhor que a psicanálise as tendências em direção aos pólos contrários, o duplo movimento do psiquismo.”
Tentamos, através deste pequeno texto, trazer algumas linhas bem gerais do que é Ritmanálise e o que ela propõe. Obviamente que não conseguimos transmitir a dimensão de toda a sua proposta, em função da limitação deste espaço. Com isso, nos colocamos a disposição dos interessados em conhecer um pouco mais sobre Ritmanálise através de nossos contatos.

O que ocorre a um prego para que decida que já não pode mais?

Na maioria das vezes, agimos como se muitos fenômenos não ocorressem ao nosso redor. Talvez seria melhor se eles não ocorressem, mas eles ocorrem, paulatinamente e inexoravelmente.

Vivemos atribulados com uma série de preocupações rotineiras referentes à própria necessidade de existir. São as contas para pagar, os filhos para educar, a mulher para amar. Além disso, o cotidiano urbano estressante indica que não podemos esquecer da segurança pessoal ao andar na rua ou ao dirigir o automóvel no trânsito agitado da cidade. É a preocupação com a senha do banco, com o telefone celular, com o segundo emprego, com as notícias da guerra, entre outras neuroses do homem moderno. Mas, enquanto isso, muitos outros fenômenos, alguns quase imperceptíveis, ocorrem. Fenômenos menores que não costumamos observar com precisão estão relacionados a um conjunto de transformações no meio físico circundante ao que vivemos os quais acarretam, entre outras coisas, a queda dos quadros pendurados nas paredes. “De repente” eles caem como uma fruta em grau avançado de amadurecimento cai do pé que a sustenta.

Eu diria que estas coisas não ocorrem tão de repente quanto imaginamos ou percebemos. E aqui faço o convite a um exercício de análise: Você que está sentado na sala lendo este texto, olhe ao seu redor e observe o que está acontecendo. Nada? Tem Certeza? Vamos usar de uma maior acuidade. No meio físico o que ocorre? Nada?

Neste exato momento, tarde de terça-feira, 15 horas e 15 minutos, depois de a energia solar ter se manifestado desde as primeiras horas da manhã, depois de o vento ter entrado constantemente pela janela, depois de você ter ocupado esta sala com a produção de outras energias tudo está como estava a algum tempo atrás ? Acredito que não, pois tudo (e todos) estão em permanente e incessante transformação. Não sou um físico ou estudioso da área e, portanto, não posso falar cientificamente, com riqueza de detalhes técnicos, sobre o tema, mas voltando ao nosso ponto de observação (a sala), vamos especular mais um pouco. A quanto tempo este prédio foi construído? Quanto tempo ele resistirá de pé? Na sua construção foram empregados materiais de boa qualidade?

Não quero invadir a sua privacidade! Gostaria somente de solicitar a continuação do exercício proposto, a fim de que possamos perceber que os quadros não caem “por acaso” ou “de repente” das paredes como as frutas também não caem “por acaso” ou “de repente” dos pés que a sustentam.

No exato momento em que tudo parece ter parado de ocorrer ao nosso redor – o vento que soprava a cortina parou de excitá-la, o ruído externo produzido pelo vizinho cessou, a energia elétrica que abastecia a residência foi cortada por uma pane no sistema, o sol que brilhava escamoteou-se, a torneira que rangia parou de pingar e até o seu coração (acelerado) parece estar mais sereno batendo em um ritmo mais tranqüilo – a dinâmica inexorável da existência determina: as transformações (e/ou transmutações) continuam ocorrendo. Neste sentido, Gaston Bachelard nos ensina a sentir a plenitude da vida mesmo em momentos em que nos entregamos para o nada. É claro que não se trata do nada na sua concepção de senso comum como estamos acostumados a referir. Trata-se de uma discussão fenomenológica de um nada com outra roupagem e com outras características, mas isso não importa neste momento.

O que ocorre a um prego para que decida que já não pode mais? O que ocorre a uma vida para que decida que já não pode mais? O que ocorre com a resistência? A Dinâmica é tão implacável que transforma a própria resistência do prego pregado na parede e da vida vivida no ser. A cada milésimo de segundo transcorrido no processo da dinâmica vital, inúmeras transformações (físico-estruturais a nível desde a menor molécula) ocorrem com o prego, com a parede e com o quadro. O mesmo é válido para a vida humana, sentenciada pelos ditames populares do tipo: “Estamos mais velhos a cada dia que passa” ou “Morremos um pouco a cada dia que passa”, fica a noção de uma grande lei natural – Tudo o que existe (em matéria) passará a se transformar a partir do momento do seu surgimento até a sua extinção definitiva.

Os quadros haverão de cair das paredes. Nós haveremos de perecer da face da terra. As transformações haverão de ser absorvidas por outras matérias em vias de extinção, após termos perecido (em matéria).

Foi de repente ?! O quadro caiu, a existência se extinguiu, a vida cessou.



Texto realizado em 01/04/2003
Baseado em artigo de Martha Medeiros publicado no Jornal Zero Hora de 30/03/2003.








C a p í t u l o
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VIAMÃO
A Cidade de Viamão tem sido o nosso universo (social, cultural, intelectual, etc.) nestes últimos 32 anos. Nesta cidade chego com um ano de idade (Vindo de Porto Alegre, o local de nascimento), aqui ganho a alfabetização, o estudo ginasial e secundário. A formação universitária acontece aqui nas cercanias, Campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Bairro Agronomia, limítrofe com o Bairro Jardim Universitário (de Viamão). Em Viamão desempenhei grande parte da minha trajetória profissional nos setores do comércio, pesquisa, educação, administração pública, trabalho voluntário no atendimento aos carentes e necessitados, entre outras. Por todas estas razões, tenho muito a falar sobre a minha Cidade e se não fosse este um livro e sim um álbum, também teria muito o que mostrar sobre a minha Cidade.
A produção de textos sobre Viamão já vai longe, não sei precisar exatamente a quantidade. Publicados são poucos, diante da dificuldade financeira e operacional de fazê-lo. No entanto, nos últimos tempos, recebi um espaço nos jornais para a publicação destes textos, especialmente de jornais locais e aqui vai o meu agradecimento para os Jornais “Correio Rural”, “A Tribuna de Viamão”, “Opinião de Viamão”. Muitos destes textos não são conhecidos pelos meus contemporâneos por duas razões. Em primeiro lugar, os textos são pouco conhecidos pelos viamonenses diante da circulação restrita destes jornais. Em segundo lugar, os textos são pouco conhecidos fora da Cidade, pois os jornais citados são locais (alguns circulam nos municípios vizinhos de Alvorada e Gravataí). Surgiu, então este projeto de reapresentar os textos em uma nova publicação, agora em formato de livro.
Trago, para este capítulo, o produto de muito trabalho realizado no campo da pesquisa historiográfica, etnológica e antropológica que iniciou por dever de ofício e se transformou em um dos maiores prazeres da minha vida. Analiso alguns mitos locais, personalidades e tipos humanos. Ofereço também a análise do ambiente sócio-cultural local atual, com algumas das suas possibilidades de mudanças (em perspectiva). Para tanto, em alguns momentos, lanço mão também das experiências sustentadas na militância política e associativa vividas em Viamão. Ou seja, não são textos unicamente científicos, mas também do nativo que vive o seu grupo, tem orgulho da sua terra e faz um esforço grande para entender o seu contexto, e a sua gente.


FATOS HISTÓRICOS-CULTURAIS

OS CAMPOS DE VIAMÃO E O PORTO DE VIAMÃO

Iniciando uma preparação para a Semana de Viamão que se avizinha (Setembro próximo), a Associação dos Amigos do Patrimônio Cultural de Viamão propõe trazer para este espaço um pouco da história do nosso município. Nas próximas edições, você encontrará aqui eixos temáticos desenvolvidos de forma breve e objetiva sobre alguns aspectos históricos que, apesar de serem muito comentados entre nós, ainda apresentam algum tipo de dúvida e controvérsia. Os textos são fruto de uma pesquisa qualitativa, empenhada com uma metodologia antropológica, realizada por alguns colaboradores da AAPC, tendo o pesquisador JAQUES JACOMINI na sua coordenação e supervisão técnica. Começamos por duas referências bastante significativas da nossa historiografia: “O Porto de Viamão” e os “Campos de Viamão”.
Ouvimos falar de um determinado “Porto de Viamão” e dos “Campos de Viamão”, quando recorremos aos elementos historiográficos de Viamão. Mas que porto e de que campos estão os historiadores referindo ?
Voltando ao século XVII, mais precisamente em 1730, observamos o começo do povoamento do extremo sul do Brasil. Ele acontece, segundo o historiador Walter Spalding, com a chegada de Dona Ana da Guerra, irmã do Capitão-mor Francisco de Brito Peixoto, fundador de Laguna e um dos grandes tropeiros da época, mais seu genro, João de Magalhães, que estabeleceram-se nos “Campos de Viamão”. Ali, em terras de Dona Ana, foi erguida uma capelinha em louvor de Nossa Senhora da Conceição e Santana e, ao seu redor, logo se formaria uma pequena localidade que ficou conhecida por Lombas de Santana (ou Santana das Lombas / atual localidade de Águas Claras). Assim acontece o início do povoamento português-brasileiro do extremo sul.
É necessário esclarecer que região geográfica estamos referindo ao falar dos “Campos de Viamão”. Francisco Riopardense de Macedo demonstra que abaixo de Laguna toda a região que conhecemos hoje por Rio Grande do Sul era denominada de “Campos de Viamão” e “Campos de Tramandai”. Assim ele se refere: “Neste grande litoral do Rio Grande, ao norte da Lagoa dos Patos e a leste da desembocadura do Rio Jacuí, bem na frente do estuário do Guaíba, proliferavam as estâncias. Eram os campos de Viamão e os Campos de Tramandaí.” (Macedo, 1968).
Em meados de 1740, fato semelhante provocaria o surgimento de um outro povoado. Francisco Carvalho da Cunha doaria uma légua de terra para a construção de uma outra capela, a de Nossa Senhora da Conceição do Viamão, que logo se transformaria em uma igreja. Em volta desta igreja fundou-se um grande povoado, povoado de Viamão, que já em 7 de novembro de 1747 era elevado à categoria de freguesia pelo Bispo de São Paulo, Dom Bernardo Rodrigues Nogueira.
O povoado de Viamão estava distante do mar (cerca de 120 Km) e sem possibilidade de erguer qualquer tipo de porto na sua costa, só possuía comunicação com o restante do Brasil por terra. Porém, em determinado momento, descobriram, a mais ou menos 60 Km de distância da sede do povoado, uma grande lagoa denominada de “Guaybe” pelos indígenas. Este fato levou os habitantes de Viamão a criarem um porto naquele local, o Porto de Viamão. Este mesmo porto passaria a ser denominado Porto do D’Ornelas ou Porto do Dorneles, quando da radicação de Jerônimo de Ornelas (mais seus agregados e parentes) naquele mesmo local e de Porto do Dionísio, quando utilizado como escoadouro da estância de Dionísio Rodrigues Mendes (Fundador da Capela de Nossa Senhora de Belém, hoje Belém Velho). Portanto, quando referimos “O Porto de Viamão”, dentro deste contexto histórico aqui traçado, a referência que se faz é ao primeiro porto que existiu nas imediações do atual Cais do Porto de Porto Alegre devido ao fato de toda a região que atualmente se assenta Porto Alegre e Região Metropolitana ser na época conhecida como “Campos de Viamão”. O Porto de Itapuã que também existiu e é referido na bibliografia histórica é parte de um outro período histórico e sobre ele nós voltaremos a referir na próxima edição.
O importante é deixar claro que precisamos Relativizar as noções de configuração e organização espacial (físico-geográfica), quando estamos falando de um período histórico mais alongado como este que aqui traçamos (de 1730 a 1999). Pois, durante este longo intervalo de tempo muitas reestruturações ocorreram, tanto na disposição do espaço físico (aterramento, mudança de curso e rota de rios e córregos, por exemplo), propriamente dito, bem como nas formas e maneiras de denominar e referir este espaço. Anexamos a este texto um mapa de Clóvis Silveira de Oliveira que auxilia o entendimento desta temática aqui mencionada. (pg. 18)


O PORTO DE VIAMÃO RECEBE OS CASAIS AÇORIANOS

A chegada dos Casais Açorianos em 1752 viria a reconfigurar o Porto de Viamão e sua denominação que, a partir de agora, passava a ser conhecido como Porto de São Francisco dos Casais. Segundo Spalding, a vinda dos Casais Açorianos para o então Porto de Viamão modificou não só a paisagem do local como a própria localização do porto. Sobre a chegada dos açorianos um fato é muito interessante, segundo o meu ponto de vista: eles foram instalados, inicialmente, no Morro de Santana, entretanto, desgostosos do lugar, resolveram instalar-se nas margens do Guaiba. Esta opção por morar e desenvolver suas atividades e suas vidas nas margens do rio acontece, sem sombra de dúvida, pela pujança e pela riqueza natural daquele local.
Alguns historiadores vão afirmar que a chegada dos casais açorianos, em 1752, marca o início da colonização do então Porto de Viamão. Como já chamamos a atenção dos nossos leitores, Porto de Viamão era o nome dado para um ancoradouro localizado nos fundos da Sesmaria de Jerônimo de Ornellas, proximidades de onde está hoje a Praça da Alfândega, porto este utilizado até então essencialmente pelos moradores do povoado de Viamão. Instalados em casas de palha no local onde encontramos hoje a atual Praça da Alfândega, os casais vindos das Ilhas dos Açores inauguravam o que viria a ser “um arraial bastante fértil”. Esta Expressão (uma arraial bastante fértil) foi usada na primeira referência registrada em documento oficial sobre a povoação que se formava no então Porto de Viamão, a qual se desenvolvia rápida e ricamente para os padrões sociais e econômicos da época. Os principais recursos naturais essências para as atividades econômicas da época, água e madeira, existiam em abundância e eram de boa qualidade.
A Fundação do Povoado de Itapuã também é relacionada com a chegada de açorianos à esta região dos Campos de Viamão, porém a época remonta a um período posterior, 1770. O contexto é o seguinte, segundo o historiador Walter Spalding:
Por ordem de José Marcelino de Figueiredo, o Capitão Engenheiro Alexandre José Montanha demarcou sessenta “datas” de terra na “Estância de Itapuã”, desapropriando o necessário para nelas “acomodar sessenta casais que hão de formar a nova povoação denominada Vila Real de Santa Ana, conforme ordem do Ilmo Exmo Senhor Vice Rei do Estado (16/08/1770). Assim nasceu o povoado de Itapuã que seria, a seguir, em virtude da guerra e invasão dos espanhóis no Rio Grande do Sul (1763-1777), fortificado com o Forte do Junco, destruído durante a Revolução Farroupilha, após tenaz resistência por parte dos legalistas.
Destacamos o mapa de Clóvis Silveira de Oliveira que dá a exata localização do “Porto de Viamão”, a fim ratificar a informação de que os casais açorianos que chegaram em 1752 desembarcaram no então “Porto de Viamão” e não no Porto de Itapuã. Isto era impossível de acontecer, segundo as informações dos historiadores que fizeram exaustivas pesquisas sobre o assunto, pois em 1752 não havia ainda uma organização social do tipo povoado, por exemplo, em Itapuã antes de 1770. Como destacamos, uma outra leva de casais açorianos atracaria em Itapuã em agosto de 1770, porém não se trata da mesma ocupação que foi referida com data em 1752. O historiador Moacir Flores, especialista em história do Rio Grande do Sul, chama bastante a nossa atenção para o trabalho com documentos históricos de época afirmando que, na maioria das vezes, eles nos reservam determinadas “surpresas” e certos “enigmas” que precisam ser encarados com muita acuidade teórica e metodológica. Esta é uma dica importante para todos aqueles que se dedicam a este tipo de investigação científica.
“A chegada dos casais açorianos em 1752 marca o início da colonização do então Porto de Viamão (nome dado a um ancoradouro nos fundos da Sesmaria de Jerônimo de Ornellas, onde está agora a Praça da Alfândega). Instalados em casas de palha no local onde encontramos hoje a atual Praça da Alfândega, os casais vindos das Ilhas dos Açores inauguravam o que viria a ser ‘um arraial bastante fértil’”. (JACOMINI, 1998)
Este trecho do artigo “Um olhar sobre a Cidade de Porto Alegre segundo a sua relação com o Rio Guaíba: A Construção dos sentimentos, do imaginário e da memória de um povo que tem as sua raízes sociais e culturais construídas sobre a região do Grande Lago” chama a nossa atenção para o seguinte :
A História de Porto Alegre e de Viamão possuem muitos fatos e aspectos comuns como, por exemplo, a colonização açoriana que aconteceu a partir de 1752;
A primeira denominação do atual Porto de Porto Alegre foi Porto de Viamão, pois na época as “fronteiras” (ou limites) das cidades não eram as mesmas que temos hoje;
O Morro de Santana (Sant’Ana) é um “monumento” histórico de Porto Alegre e de Viamão, pois ali estava a Sesmaria de Jerônimo de Ornelas, local de onde nasceriam as primeiras feições das atuais Cidades de Porto Alegre e Viamão.
Percebemos que as discussões sobre os limites geográficos que separam Porto Alegre e Viamão, uma constante na nossa história recente, remontam a um período histórico muito anterior ao nosso. Temos na década de 80 a Empresa Pública de transporte coletivo Carris atendendo a população de Viamão (Região da Santa Isabel), através da justificativa que parte das Vilas Jardim Universitário e Aparecida estariam dentro dos limites de Porto Alegre. Mais recentemente, temos o anseio da comunidade da Região das Vilas Jari e Passo do Dorneles em se anexar à capital, através da mesma justificativa citada anteriormente. Além disso, temos um parque público (Parque Saint’Hilaire) dentro da cidade de Viamão administrado e manutenido pela administração municipal de Porto Alegre e outros tantos fatos que remontam esta problemática dos limites geográficos das suas cidades limítrofes.
Conhecer um pouco da nossa história e das nossas origens culturais e étnicas é uma necessidade para compreendermos melhor a nossa realidade local atual, portanto continuaremos trazendo para este espaço fatos e fotos históricos-culturais que colaborem para a construção deste redescobrimento da nossa cidade.


VIAMÃO - CAPITAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Ouvimos diversas vezes à referência a Viamão como a primeira capital do Rio Grande do Sul, como a segunda capital ou simplesmente como velha capital. Estas afirmações são muito freqüentes entre nós e, me parece, que já está impregnada no imaginário do viamonense, bem como no imaginário de pessoas oriundas de cidades vizinhas. Percebo que algumas pessoas ao serem indagadas se conhecem Viamão, de imediato referem: “Sim !! Foi a primeira capital do Estado, né !!??” Cabe aqui também uma alusão à forma carinhosa e de cunho cultural que o termo “Velha Capital” foi apropriado pelo restaurante instalado na entrada da nossa Cidade. Local aconchegante, com um cardápio agradável e saboroso, este estabelecimento conseguiu, com uma referência historicamente correta, “Velha Capital”, aliar uma atividade comercial a uma necessidade cultural de Viamão: revitalizar a sua identidade regional.
Um esforço de relativização necessário para o entendimento desta questão é o fato de que nesta época não havia “O Estado do Rio Grande do Sul” como o conhecemos hoje, ou seja, na sua atual configuração físico geográfica. Portanto, já é um pouco complicado referir Viamão como a primeira ou segunda capital do “Estado do Rio Grande do Sul”. Boa parte da região do atual Estado do RS era denominada de “Continente de Rio Grande” e os limites territoriais eram diferentes daqueles que conhecemos hoje. Feito este esclarecimento, passamos para o contexto histórico-social da temática “Viamão Velha Capital”:
Segundo o historiador Clóvis Silveira de Oliveira, Com a tomada de Rio Grande (primeiro centro do poder político do Continente) pelas tropas espanholas, ocorrida em 24 de abril de 1763, a sede administrativa do Continente foi transferida para Viamão. Por sugestão do Governador José Marcelino ao Vice Rei, Marquês do Lavradio, a 26 de março de 1772 a pastoral assinada por D. Antônio do Desterro desmembrava o Porto dos Casais da Freguesia de Viamão, transformando o lugar em uma nova Freguesia com a denominação de São Francisco do Porto dos Casais (atual cidade de Porto Alegre). Notem bem, o desmembramento data de 1772, mas a transferência da capital só acontece em 25 de julho de 1773 com o despacho de José Marcelino dirigido às autoridades de Viamão, no qual convida a exercer suas atividades na nova capital. A transferência da capital acontece devido ao fato de que “A Nova Freguesia de São Francisco do Porto dos Casais” (Atual Porto Alegre) era considerado um ponto estratégico por ser um porto e estar a meio caminho entre Rio Grande e Rio Pardo, os dois pontos mais fortificados do Continente naquela época.
Segundo estes dados históricos investigados, a afirmação mais adequada é a que vai colocar Viamão como a segunda capital do Continente do Rio Grande. Pois, por um período de, aproximadamente, 10 anos Viamão concentra o poder político e administrativo da região denominada Continente do Rio Grande. Os motivos que ocasionaram a transferência são de duas ordens: devido a um momento conjuntural da época, principalmente no campo político e devido as riquezas naturais do estuário do Guaiba que já havia atraído os “viamonenses” (Povoado dos Campos de Viamão) que ali instalaram o seu porto e agora (1773) atraia os políticos e governantes do Continente do Rio Grande.
O que permanece de todo este processo ? Ficou a força da tradição, delimitando esta bagagem cultural e histórica de Viamão que depois de mais de duas centenas de anos ainda permanece no imaginário do viamonense como a “Velha Capital”. O aprofundamento desta linha de análise poderia contribuir de forma significativa para o entendimento da atual dinâmica e organização econômica e social da nossa cidade. Mas este é um tema para uma outra investigação.


MORRO DE SANTA ANA (Ou de Santana) - PATRIMÔNIO ETNOLÓGICO

Nas edições anteriores falamos do potencial histórico do Centro de Viamão, marcado pela povoação em torno da sua Igreja Matriz. Falamos também de algumas características da Região de Itapuã, com seu potencial hídrico e econômico, no entanto, existe uma outra região de Viamão que também possui características históricas e etnológicas muito peculiares e muito especiais que, portanto, passaremos a destacar. Refiro-me ao povoado que se formou aos pés do Morro de Santana (Face Leste), onde hoje temos a região da Grande Santa Isabel.
Na condição de morador desta região, me encontrei por várias vezes a refletir sobre a história e a cultura desta localidade. Pensava sobre as raízes deste povo, as origens desta região, tentando “descobrir” onde estava o potencial humano e físico que fundou um dos distritos mais fecundos e promissores de Viamão. As respostas vieram com as pesquisas que comecei a realizar sobre a história de Porto Alegre e do seu Cais de Porto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1997. Somente na condição de pesquisador, encontrei a “questão chave” para responder as indagações que me angustiavam (intelectualmente), ou seja, para entender o potencial histórico e cultural desta região precisamos recorrer “ao testemunho que o Morro Santana” tem para nos fornecer. Pode parecer estranho tomar o testemunho de um morro, porém para quem trabalha com antropologia social é recorrente as referências do tipo “este chão fala”, “precisamos dialogar com a cidade”, etc. Quando os documentos históricos calam, o antropólogo “fala” com o seu objeto de pesquisa, “ouve” o seu universo físico de análise ou simplesmente “sente” as construções imaginativas próprias ou de outrem. No entanto, o objetivo aqui não é falar da técnica, mas da constatação que tentamos abordar: O Morro Santana é o maior patrimônio histórico e etnológico desta região.
Pesquisas recentes desenvolvidas pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através da Coordenação da Memória Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, em parceria com a UFRGS e Museu Joaquim José Felizardo mostram, através de investigações históricas e arqueológicas o que estamos aqui afirmando. Coordenada pela arqueóloga Fernanda Tocchetto e pelo historiador Eduardo Neumann, esta pesquisa denominada “Primeiros Povoadores de Porto Alegre” tem por objetivo definir a localização da Sesmaria de Jerônimo de Ornelas, o primeiro sesmeiro desta região, tido por alguns historiadores como fundador de Porto Alegre. Uma conclusão prévia é a que aponta para uma estreita relação histórica entre a fundação da Cidade de Porto Alegre e as primeiras expressões humanas da Grande Santa Isabel, tendo como universo comum a Sesmaria de Jerônimo de Ornelas com a sua organização econômica e social. Esta similaridade é literal em algumas passagens do relatório das análises históricas dos Sítios Arqueológicos encontrados na região. Cito, por exemplo, esta que fala do contexto da ocupação do local: “Em meio a este interim, a área que hoje contempla a cidade de Porto Alegre e Viamão começou a ser ocupada.”
Os relatórios preliminares mostram a existência de pelo menos três sítios arqueológicos nesta região do Morro Santana: Sítio da V. A . P., Sítio da Chacrinha e Sitio da Figueira. Por definição de Eduardo Neumann “Um Sítio Arqueológico é definido por uma variedade de critérios que possibilitam o reconhecimento de um local de atividade humana no tempo e no espaço.” Este historiador deixa bastante claro no seu relatório que o local escolhido para a instalação da sede da estância de Jerônimo de Ornelas era o Morro Santana e esta “estava voltada para o atual município de Viamão”, portanto a referência é explicita para a Grande Santa Isabel.
É necessário destacar ainda dois aspectos. Em primeiro lugar, a Secretaria Municipal de Cultura de Viamão, através do Projeto “Inventário Participativo”, tem realizado alguns esforços no sentido de mapear estes sítios e listá-los como bens culturais de interesse sócio-cultural para a cidade, portanto já temos uma sensibilidade do poder público local com este “monumento etnológico” representado pelo Morro Santana. No entanto, necessitamos ainda a definição imediata de dispositivos legais (locais) que colaborem para a preservação e potencialização destes sítios. Em segundo lugar, a Associação dos Amigos do Patrimônio Cultural de Viamão (AAPC) já veio a público chamar a atenção para os riscos eminentes que este patrimônio histórico sofre com o crescimento acelerado dos loteamentos urbanos na região do Morro Santana. Portanto, mais uma vez chamamos a atenção para o fato de que a alteração das características originais destes sítios é crime previsto na Legislação Federal e devem ser tratados assim, sob pena de estarmos “soterrando” uma das nossas maiores riquezas históricas e culturais desta região.



SÉRIE DESCOBRINDO VIAMÃO

A constituição da Cidade de Viamão é cercada por alguns mitos, fatos pitorescos e inusitados, lendas e crenças. Dentre eles, ficou registrado no imaginário dos viamonenses, a concepção de Viamão como a “Velha Capital” ou a primeira capital do Estado do Rio Grande do Sul. Diante destas questões emblemáticas, mais mítico-simbólicas do que históricas, surge uma nova proposta de investigação social: analisar um pouco do imaginário que leva à estas construções subjetivas dos viamonenses.
Trata-se, entre outras coisas, da tentativa de mapear os contornos de uma Viamão antiga, que guarda as lembranças de um tempo passado, tranqüilo e remoto, só possível de ser acessado através de um grande esforço mnemônico dos guardiões deste verdadeiro patrimônio histórico cultural, a memória dos nossos antepassados.
Na tentativa de ultrapassar um pouco a narrativa estritamente histórica e documental e perceber outros aspectos que estes documentos não nos possibilitam acessar utilizamos, sempre que possível, recursos do método etnográfico, alicerçado nos princípios antropológicos da investigação qualitativa do social.
Uma rápida pesquisa nos principais livros sobre a história de Viamão nos mostra que existem controvérsias e poucos detalhamentos sobre a constituição da cidade, enquanto centro do poder político-administrativo da região que hoje conhecemos como Estado do Rio Grande do Sul. Alguns historiadores afirmam que Viamão foi a primeira capital do Rio Grande do Sul, enquanto que outros referem Viamão como a segunda capital do Rio Grande do Sul. Mas então caberia questionar: Em que época e contexto social e político estamos nos referindo ? Como isto aconteceu ? Quais personagens estavam envolvidos nesta teatralização do social ?
Nesta primeira parte da série “Descobrindo Viamão”, ficaremos detidos no período que circunda a instauração da Colônia do Santíssimo Sacramento, ocorrida em 20 de janeiro 1680, e nos aspectos que envolvem este contexto sócio-político da época.
O povoamento da região onde surgiria Viamão, bem como Porto Alegre, se deve à necessidade que havia de conquista e ocupação dos domínios ainda indefinidos entre PORTUGAL e ESPANHA no continente onde hoje temos o Rio Grande do Sul e o Uruguai.
Com exceção da região ocupada pelos jesuítas espanhóis, até as primeiras décadas de 1700, o território era inexplorado e seu litoral dificultava a organização de portos uma vez que a costa era arenosa, com baixios, sem angras nem ancoradouros para a segurança das embarcações, além do que era varrido por ventos traiçoeiros. Por essas razões, nenhum progresso se verificava no sul, enquanto as cidades de Salvador e Rio de Janeiro já eram bicentenárias.
Vemos que as grandes “potências” da época, Portugal e Espanha, estavam ainda definindo os seus limites e as suas intervenções territoriais. Era um período de intensas guerras e conflitos travados em função da luta pelas novas fronteiras e novos domínios. Como se não bastasse este quadro de tensão entre Portugal e Espanha, outro fator viria a complicar ainda mais as relações destes dois reinos: a descoberta de ouro nos campos de Curitiba e Paranaguá incentivaram o plano de alargar as fronteiras do reino de Portugal até o Rio da Prata. Nesta época, Salvador Correia de Sá, como membro do Conselho Ultramarino, em 1768 defendeu o plano de fundação de uma colônia no Rio da Prata, limite do bispado do Rio de Janeiro.
Cinco veleiros, 200 homens, sendo 60 negros, 2 jesuítas, 1 padre capelão, 8 índias e uma mulher branca, D. Joana Galvão, esposa do Capitão Manoel Galvão, aportaram junto à Ilha de São Gabriel, no Rio do Prata, fundando a Colônia do Santíssimo Sacramento. Seus objetivos: estabelecer um forte militar no Rio da Prata e criar um porto livre de comércio, segundo as instruções do Rei D. Pedro II de Portugal.
Para finalizar, caberia destacar que quando referimos Viamão como a “Velha Capital”, mais do que precisar se Viamão foi a primeira ou a Segunda capital do Estado, é necessário colar esta noção de centro do poder político da época aos aspectos geo-sociais, políticos, físicos e territoriais da região onde hoje temos o Estado do Rio Grande do Sul. Ou seja, é muito difícil falar do Estado do Rio Grande do Sul, pois naquela época este não estava organizado como o conhecemos hoje, os limites e extensões territoriais ainda sofreriam vários reordenamentos até chegarem a Ter a configuração espacial que atualmente delimita o Rio Grande do Sul e seus inúmeros municípios.


Viamão visto pelo famoso naturalista augusto de Saint-Hilaire

Descrição de Saint-Hilaire:
“Boa Vista,17 de junho de 1820.
Esta manhã bem cedo os meus hospedeiros me mandaram, por uma crioula, um mate e um prato cheio de biscoitos e de pedaços de queijo. Foi-me servido o mate, conforme o costume, em uma pequena cuia posta em um prato curvado em triângulo. A cuia fora esculpida com cuidado e apresentava diversos desenhos. A bomba que nela se achava era de prata. Atravessamos campos parecidos com o que percorri ontem, mas cujo capim é ainda mais ressequido porque o terreno é menos úmido. A parte da Serra Geral que avistamos de longe já não é tão elevada como os montes em que passamos nos dias anteriores. Vimos duas ou três estâncias que ficam á beira da estrada, pouco adiante daqui, tomamos a dianteira, eu e o pai de meu vaqueano, que nos acompanha desde Tramandaí; já era, porém, noite fechada quando aqui chegamos.
Esta estância, que é uma das mais consideráveis da capitania do Rio Grande do Sul, pertence a José Egidio, barão de Santo Amaro, que começou sendo secretário do conde da Barca, foi subindo pouco a pouco, tornou-se conselheiro do rei foi agradecido com o titulo de barão e acabou por perder essa graça. Havendo concebido a feliz idéia de aproveitar da situação favorável da fazenda para estabelecer ai um cortume, José Egídio com essa intenção mandou vir operários franceses. Logo que aqui cheguei disseram-me que ele ia a Porto Alegre e apresentaram-me ao senhor Gavet que fora outrora cortidor em Paris e a quem o barão pusera a frente de sue nova manufatura. Desde o primeiro momento fui recebido por ele com toda a cortesia, mas quando lhe disse quem eu era redobrou de gentilezas; disse-me que o barão me esperava já há algum tempo; fez-me entrar para os aposentos do dono da casa e mandou preparar-me uma ótima ceia. Nesse meio tempo chegava a carreta, mas os bois não podiam puxar até o alto da coxilha, onde se achava a casa. Apenas havia eu entrado, começamos, o senhor Gavet e eu a conversar sobre a França. Faz apenas um ano que o senhor Gavet a deixou e contou-me uma porção de coisas que eu ignorava. A cada momento fazia-lhe eu certas perguntas que demonstravam tamanha ignorância dos fatos passados entre nós desde quatro anos atrás que ele ficava admiradíssimo.
Encontro aqui o Constituonel, o Times e a Gazeta de Lisboa e aqui passarei um dia para me pôr ao corrente do que houve pelo mundo desde algum tempo. Quero também gozar do prazer de ouvir falar na França e de conversar com um compatriota que se me afigura muito bem educado.
Boa Vista, 18 de junho de 1820.
A fazenda Boa Vista tem 28 léguas portuguesas de perímetro e está completamente coberta de pastagens, na sua maioria excelentes. Dizem que 30 mil rêses podem pastar a vontade nessa área de terra; mas atualmente há apenas seis mil, porque a fazenda foi administrada por um homem que só cuidava de seus interesses e reduziu muitíssimo o numero de rêses. O numero de cavalos utilizados habitualmente no serviço da fazenda sobe a quinhentos; mas acham que este numero mal da para isso. Nas estâncias desta região, onde o gado é a única renda, não há tamanha necessidade de um tão grande número de escravos, como nos engenhos de açúcar ou na exploração das minas. Também aqui não há mais de oitenta crioulos, incluindo nesse número os que trabalham na construção da casa do cortume e que serão em seguidas aí aproveitados. Quase todos os negros do barão são Minas, Nação muito superior as demais por sua inteligência, fidelidade e amor ao trabalho.
As casas da estância estão edificadas sobre uma coxilha pouco elevada, que domina uma vasta extensão da planície. A residência do proprietário reduz-se a algumas peças, mas estão mobiliadas com gosto.
Ocupam-se atualmente na construção do cortume que será levado ao pé da coxilha e receberá água em abundância. Os edifícios já começados ostentam ar de grandeza que anuncia a importância que deve ter o estabelecimento. O tanque se acha sob um teto cujo vigamento, muito belo, é sustentado por colunas de madeira; tem duzentos e cinqüenta pés de comprimento por cento e cinqüenta de largura. O senhor Gavet já fez diversas experiências, com as quais ficou muito contente. Emprega para curtir os couros, a casca contém a Sexta parte de tanino e que lhe vem aos arredores do Santos; afirma que esta casca contêm a Sexta parte de tanino e que com o seu emprego, bastam quinze dias para o preparo dos couros.
Nenhum lugar do Brasil poderia Ter sido mais bem escolhido do que este, para ai fazer um cortume, porque em parte alguma são os couros tão abundante e tão baratos como ai. Assim um couro de boi custa apenas 3 patacas (a pataca vale 320 réis ou sejam 2 francos) e um de vaca 2 patacas. Consideram vexatório o montar a gente uma égua, e estes animais são tão comuns que não se vendem por mais de 1 pataca ou pataca e meia. O barão as compra em toda a vizinhança unicamente para matá-la, mandar curti-lhes o couro e do sebo fazer sabão .
Sitio ................, 19 junho de 1820.
O senhor Gavet havia preparado alguns pássaros para um amigo, mas estava tão mal preparados que dificilmente poder-se-ia aproveitá-los; quando viu os de José Mariano, manifestou-se o desejo de aprender com ele e empenhou-se comigo, para que eu deixasse. Satisfiz-lhe os desejos, talvez mais ainda para ver livre durante algum tempo dum homem, que se tornou odioso, do que no interesse da coleção; que contudo não pode deixar de aumentar em Boa Vista mais do que em Porto Alegre.
O senhor Gavet me acompanhara uma légua em redor, e, nesse trato, percorremos uma região plana e coberta de pastagens, como a que atravessei nos dias anteriores. O lugar em que o senhor Gavet se despediu de mim é uma colina pedregosa, donde se descortina uma vista muito ampla. Tem ela tão pouca elevação que mal se lhe nota, mas como não se julga senão comparando, deram-lhe o nome de Morro Grande. Esta colina tem no cume uns pés de uma árvore que já vi em Boa Vista e que merece ser mencionada pelo seu porte pitoresco. Chamam-na aqui de aroeiro; as suas folhas, como as das arauras de Minas, exalam, quando amarrotadas, um forte cheiro de terebentina e as suas cinzas são muito apreciadas para o fabrico do salão. Esta árvore e muito copada, mas é de altura medíocre; é tortuosa e os galhos, que começam perto da base do tronco, dividem-se em um considerável numero de galhos pequenos e carregados de folhas.
Depois do morro grande, o terreno vai ficando arenoso, as pastagens são muito secas e quase por toda a parte se reduzem a um capim rasteiro. Aqui e acolá vêm-se capões onde as árvores, pouco altas, carregadas de lichens e divididas desde a base em numerosos ramos, relembram as árvores fechadas dos nossos jardins ingleses. Vi de quando em quando encostas baixas e arredondadas muito pouco elevadas, ás quais dá-se no lugar o nome de Lombas. Porque são mais secas do que a vargem, o capim tem ai menos força e as vacas que se habituam a pastar nas lombas só dão cria de dois em dois anos, ao passo que nas vargens elas dão cria todos os anos.
Durante os dias passados, não vi um só regato: disseram-me entretanto que havia muitos na região que atravessei, mas que a seca sem e exemplo deste ano os havia feito desaparecer. Hoje, contudo atravessei um ao qual dá-se o nome de Arroio das Águas Clara, porque, efetivamente, é de uma limpidez sem igual.
Já era quase noite quando chegamos a estância na qual paramos; pertence ela ao comandante da Freguesia da Capela de Viamão e, como todas as destas região, esta situada sobre uma pequena eminência. A casa do estancieiro é pequena, mas é bem provida e muito limpa: camas mesas e bancos, nisso consiste o mobiliário. O estancieiro, a quem disseram quem era eu, recebeu-me muitíssimo bem. Fazia muito írio quando cheguei, mas reparei que todas as portas e janelas estavam abertas. Em geral, os habitantes desta terra resistem muito mais facilmente que nos as intempéries do ar; caí geada quase todas as noites e no entanto tudo esta aberto; não há fogo em nenhuma casa, nem sequer meios de fazê-lo.
O meu vaqueano tem sido muitas vezes convidado a pernoitar dentro das casas em que me hospedo, mas sempre recusa; dorme com o meu pessoal e com os seus junto ao fogo que acendem fora para cozinhar. Entende-se sobre em couros, não tem quase nada com que cobrir-se e dorme com a cabeça descoberta; não é ele a única pessoa que é insensível ao frio; todos os viajantes que encontro fazem o mesmo. Não há nesta região ranchos como Minas e a gente pouco se preocupa de ficar dentro de casa, principalmente quando não chove.
20 de junho.
Saindo da estância em que dormi a última noite, deixei a carreta e, acompanhado do pai do meu guia, segui por outro caminho para ir ver a Vila de Viamão, mais geralmente conhecida na zona pelo nome de Capela. Esta vila, é segundo se diz o estacionamento mais antigo desta capitania.
A fundação de Porto Alegre lhe é muito posterior e no interior do Brasil quase se ignora a existência desta ultima cidade.
Os mineiros e os paulistas faziam outrora as suas compras de mulas nos arredores de Viamão; mas havendo diminuído muito o preço desses animais os estancieiros relaxaram em tirar criação. Por outro lado, como a população da capitania se tornou mais considerável e se estendeu do litoral para o interior, os tropeiros de mulas não precisaram ir tão longe para negociar; deixaram de vir até Viamão; mas por costume conservaram ao deserto que se estende entre Lapa e Lajes, o nome de Sertão de Viamão, e denominam em geral Campos de Viamão os campos desta capitania.
Viamão acha-se situada sobre uma colina donde se descortina uma vasta extensão de campos levemente ondulados no meio dos quais levantam-se alguns matinhos. Conquanto a situação da vila seja muito agradável, foi ela quase abandonada depois da fundação de Porto Alegre, que esta situação em local muito mais vantajosos para o comércio. Compõe-se principalmente de duas praças contíguas e irregulares em uma das quais esta edificada a igreja. Desde São Paulo não vi nenhuma que se possa comparar a esta. Tem duas torres, esta perfeitamente provida de uma limpeza extrema, muito clara e ornada com gosto. Pode-se julgar pelas igrejas do Brasil de quando seria capaz este povo se dispuzesse de meios de instrução mais difundidos e de alguns bons modelos debaixo dos olhos. Quem em França só tivesse visto as nossas igrejas de aldeia, creria que as artes entre nos estão ainda na infância, tão violado é ai o bom gosto tão bárbaros são ai os ornamentos, tantas as regras de arte transgredidas, tantas as coisas descabidas; e no entanto, não há um só operário que haja ai trabalhado, que não tenha tido obras primas diante dos olhos; mas não procuraram imitá-las, porque as olharam sem vê-las e não lhes compreenderam as belezas. Não se poderá concluir disso, que, o sentimento artístico e mais natural e maior entre os brasileiros do que entre nós, e que se estes se entregarem um dia à cultura das artes, custar-lhes-á menos trabalho e esforços?
Quando passei por Viamão encontrei ai um grande numero de homens reunidos, não sei porque; todos eram brancos em geral, grandes e bem feitos, e a maioria tinha cabelos castanhos e a tez corada.
O que me tem causado admiração, depois que cheguei a esta capitania, é o ar de liberdade que tem todos os que encontro e o desembaraço que mostram em suas maneiras; não tem esta languidez que caracteriza os habitantes do interior; os seus movimentos são mais vivos, há menos requebros em suas gentilezas, em uma palavra, eles são mais homens.
A região que percorri hoje é um pouco ondulada, as casas sai ai mais comuns e sempre situadas em pequenas elevações do terreno. As pastagens são de capim muito rasteiro. Parece que outrora crescia ai uma relva espessa que era queimada todos os anos; mas tanto foi ela pastada, que ficou reduzida ao estado em que hoje se encontra.. Os animais são pequenos, há também mulas e conquanto se vendam por cinco patacas, assim mesmo, não encontram compradores. Era noite fechada quando aqui chegamos; o fogo, conforme costume, tem sido aceso fora de casa, junto a carreta; mas como estivesse o vento muito frio, pedi o dono da casa licença para passar a noite em sua casa e ele me instalou em um quarto aberto de todos os lados, onde fabricam a farinha de mandioca.
A criação de gado nesta terra exige muito pouco cuidado; deixam-no vagas em plena liberdade por todo o campo e não há necessidade, como nas Minas, de dar-lhe a voz, a fim de que não fique completamente selvagem, de que se possa marcá-lo quando necessário, de que se possa pegar o que se quer carnear e castrar os touros. Para esse fim, em cada estância, reúne-se, de quando em quando, todo o gado; homens e cavalo cercam o campo; vão gritando alto e enxotam o gado para um lugar que é sempre o mesmo. Lá os animais ficam reunidos algum tempo; em seguida retira-se a gente e os deixa dispersarem-se em plena liberdade. É o que se chama para rodeio, e o lugar em que o gado se reúne tem também o nome de rodeio, assim como também a área de terreno que se cerca para fazer essa espécie de batida. A fazenda da Boa Vista esta dividida em seis rodeios, e cada semana reúne-se o gado de cada rodeio. As vacas dão cria desde setembro até janeiro; nessa época procuram-se os terneiros no campo, prendem-se em um curral e ai elas vêm amamentá-los de manhã e a tarde.







PATRIMÔNIO CULTURAL AMEAÇADO

O crescimento urbano da Região Metropolitana de Porto Alegre e, em especial de Viamão, acontece em uma velocidade nunca observada. O número de habitantes, instalações habitacionais e comerciais avançam em uma proporção impressionante, se comparados com períodos anteriores aos anos 90. Um Crescimento desordenado e sem planejamento pode trazer conseqüências caóticas para toda a população envolvida neste processo.
Citarei um exemplo que está presente na nossa realidade local, porém nem sempre observado com o devido cuidado e estima que merecem. Os novos loteamentos, ou conjuntos habitacionais, que surgem em uma das extremidades da cidade de Viamão: Vila Monte Alegre .
No deslocamento diário que realizamos para Porto Alegre (Via Protásio Alves), observamos o crescimento das obras de infra-estrutura do loteamento que dizimou uma grande parte do Morro Santana. A fim de se obter lucro, vendendo terras que compunham uma extensa faixa de mata nativa de um dos morros mais importantes desta região, empresários inescrupulosos não mediram esforços para realizar este empreendimento.
Gostaríamos de chamar a atenção da população viamonense para duas situações, no mínimo preocupantes, que envolvem esta obra. O desmatamento desenfreado desta região pode trazer sérios prejuízos para todo o ecossistema de Viamão e das cidades vizinhas, influindo diretamente no clima, absorção das águas pelo lençol freático, entre outras conseqüências. Por se tratar de um morro que está ficando sem a sua proteção natural (Mata e vegetação rasteira) contra os deslizamentos e desmoronamentos de terra, em breve poderemos assistir neste local lamentáveis acidentes como os que assistimos freqüentemente acontecer em regiões de morro que passam a ser habitados indiscriminadamente.
Como se não bastasse este prejuízo ambiental, a obra também coloca em risco uma região com amplo potencial paisagístico, histórico e cultural. No Morro Santana estava situada a sede da sesmaria de Jerônimo de Ornelas, um dos primeiros sesmeiros desta região e, portanto, considerado por muitos como um dos fundadores da Cidade de Porto Alegre. Vários historiadores comprovam, através de seus estudos, esta constatação que ainda é desconhecida por parte da população de Viamão. Antropólogos e Geólogos do Museu Antropológico do Rio Grande do Sul encontraram recentemente, num setor situado mais no topo do Morro, um importante sítio arqueológico que precisa ser ainda mapeado, escavado e investigado com mais cuidado e precisão. Neste local foram encontradas as pedras que, provavelmente, são os pilares das casas que compunham a sede da Sesmaria de Jerônino de Ornelas, pedaços de louça e outras cerâmicas. Qualquer tipo de patrolamento, terraplanagem ou outro procedimento análogo neste local é crime previsto em lei federal, pois pode "soterrar" uma parte significativa da nossa história e da memória cultural de um povo e de uma etnia que ainda busca elementos para a ratificação das suas raízes fundantes.
Fica aqui o alerta de um viamonense preocupado com a sua terra e a sua história. Estarrecido com o movimento diário de inúmeras máquinas pesadas que podem estar enterrando para sempre um pedaço da nossa história, solicito à todos os responsáveis e interessados que junte-se a nós nesta luta de, no mínimo, denunciar este descalabro ambiental-histórico-cultural que muitos assistem calados.

AAPC REALIZA TRABALHO DE CONSCIENTIZAÇÃO ECOLÓGICA

A um mês, aproximadamente, viemos para este espaço com um alerta bastante significativo, através da matéria denominada “Patrimônio Cultural ameaçado” (14/05/99). Naquela oportunidade chamávamos a atenção do nosso leitor para os perigos e problemas que o acelerado crescimento urbano da Região Metropolitana de Porto Alegre e, em especial de Viamão, pode acarretar na vida de todos os moradores desta localidade. Citamos, como exemplo, as ocupações indiscriminadas de morros e outras áreas de risco que são recorrentes devido a uma necessidade imperiosa de sobrevivência das pessoas mais humildes.
A “pré-visão” não é a nossa área de atuação nem de conhecimento, porém não é necessário nenhuma “bola de cristal” para “pré-ver” os fatos que ocorreram na semana passada na cidade: alagamento e destruição de várias casas situadas nas imediações do Arroio Feijó. Poderíamos resumir a idéia geral que está colocada nesta questão em uma única frase: “A Natureza é implacável com o homem sempre que este se arisca desafiando-a”. Dito de outra forma, habitar áreas de risco como encostas de morros, proximidades de leitos de rios, córregos e arroios representa um perigo constante para os que por necessidade ou opção assim o procedem.
Sabemos que na sua grande maioria as pessoas expostas a estes riscos o fazem por uma necessidade: o da moradia a custos inferiores à média de mercado. Assim sendo, este morador deve ter consciência que a sua relação com a natureza que o cerca define o seu modo e qualidade de vida. Em muitos casos, indivíduos menos avisados dos riscos que estão expostos agridem o ambiente natural em que vivem: desmatando ribeiras de rios, lagos e arroios, depositando todo o tipo de lixo e dejetos junto aos canais, construindo as próprias estruturas de suas casas em locais que impedem ou prejudicam o bom e perfeito escoamento das águas, entre outras agressões. Como dissemos, nestes casos a natureza é implacável e pode trazer inúmeros prejuízos para aqueles que não mantém uma vida harmônica com o seu ecossistema.
Tentando colaborar nesta empreitada de Conscientização Ecológica, a AAPC (Associação dos Amigos do Patrimônio Cultural de Viamão), realizou no último dia 12/06/99 uma Caminhada Ecológica na Região da Santa Isabel (Vilas Jardim Universitário e Nossa Senhora Aparecida). Com o objetivo de levar este processo de conscientização junto aos moradores que possuem as suas casas muito próximas a vários arroios, córregos e sangas daquela região, caminhamos, distribuindo material informativo, orientando os moradores para manterem as regras mínimas de preservação do meio ambiente e colhendo elementos para outras intervenções do gênero. A Caminhada teve uma ótima aceitação e recepção entre a população local, em função disto já estamos agendando outras caminhadas e trabalhos de conscientização em parceria com entidades representativas da região.


AAPC REALIZA EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA

A Associação dos Amigos do Patrimônio Cultural do Município de Viamão realiza uma Exposição Fotográfica na Casa de Cultura de Viamão / Secretaria Municipal de Cultura no período de 19 a 29 de abril. A mostra fotográfica é denominada “ENTRANDO NA CIDADE DE VIAMÃO - IMAGENS E REFLEXÕES SOBRE AS PRINCIPAIS VIAS DE ACESSO: CARACTERÍSTICAS GEOGRÁFICAS, TIPOLOGIAS TOPOGRÁFICAS, CONDIÇÕES DE TRAFEGABILIDADE, SINALIZAÇÕES DE TRÂNSITO.”
Este trabalho tem por objetivo apresentar um ensaio fotográfico, juntamente com uma reflexão teórica sobre as principais vias de acesso à Cidade de Viamão, convidando os viamonenses para visualizarem e refletirem sobre alguns aspectos do seu próprio itinerário de deslocamento diário.
A justificativa do Ensaio Fotográfico é a seguinte:
O homem contemporâneo decidiu viver em cidades. As cidades modernas possuem uma série de características e especificidades muito particulares, quando comparadas com outras formas de organização sócio-políticas. Dentre estas características, destacaria a preocupação em urbanizar, normalizar e aperfeiçoar estética e visualmente as entradas, os principais acessos e/ou fronteiras das cidades e núcleos centrais urbanos.
Teoricamente, utilizaremos alguns pressupostos orientadores oferecidos por Paul Virilio nas suas discussões acerca das novas tendências urbanísticas mundiais, especialmente as contidas na obra denominada “O Espaço Crítico e as Perspectivas do Tempo Real”. Inspirados nestes pressupostos passamos a investigar, apanhando imagens fotográficas, as principais vias de acesso a Viamão, tentando abordar a questão do acesso à cidade de uma nova forma. Passamos a adotar alguns pontos de reflexão propostos por Virilio como, por exemplo:
As atuais aglomerações metropolitanas possuem uma fachada ?
Em que momento a cidade nos faz face ? (...)
Percebemos que Viamão, a exemplo de outros tantos grandes centros urbanos, passa hoje por uma “reorganização urbana” que nos coloca diante de um grande desafio em viver, assimilar e abordar esta nova ordem espacial citadina moderno-contemporânea-capitalista.
Só para citar um pequeno trecho desta obra que nos orienta nesta empreitada intelectual, destacamos as seguintes palavras de Virilio:
“A representação da cidade contemporânea, (portanto) não é mais determinada pelo cerimonial da abertura das portas, o ritual das procissões, dos desfiles, a sucessão de ruas e das avenidas; a arquitetura urbana deve, a partir de agora, relacionar-se com a abertura de um ‘espaço-tempo tecnológico. O protocolo de acesso da telemática sucede o do portão.” (Virilio, 1995)
Mantida as devidas proporções entre as características urbanísticas das cidades dos países desenvolvidos estudadas por Virilio, em relação a nossa realidade (em desenvolvimento) local, podemos perceber que já contamos com alguns equipamentos, organizações e metodologias que nos colocam em paridade com estas cidades. Só para citar um exemplo, destacaria a instalação dos equipamentos eletrônicos de controle de infrações de trânsito na principal entrada da Cidade de Viamão. Neste sentido, observamos que “A observação direta dos fenômenos visíveis é substituída por uma teleobservação na qual o observador não tem mais contato imediato com a realidade observada. Se este súbito distanciamento oferece a possibilidade de abranger as mais vastas extensões jamais percebidas (geográficas ou planetárias), ao mesmo tempo revela-se arriscado, já que a ausência da percepção imediata da realidade concreta engendra em desequilibro perigoso entre o sensível e o inteligível, que só pode provocar erros de interpretação tanto mais fatais quanto mais os meios de teledetecção e telecomunicação forem performativos, ou melhor: videoperformativos.” (Virilio, 1995)
Além desta abordagem mais urbano-tecnológica, propomos pensar alguns aspectos que levantamos no contato com alguns moradores entrevistados durante este trabalho fotográfico, no que diz respeito às formas de nomear a cidade, seus limites, dimensões e seus lugares. Por exemplo, o morador da região da Grande Santa Isabel (4º Distrito) quando diz: “vou ao centro”, o centro que está referindo é o centro de Porto Alegre e não o centro da cidade de Viamão. Explorar estas noções de espacialidade dos viamonenses, relacionadas com as orientações impressas nas placas de sinalização de trânsito é uma outra proposta desta investigação teórico-imagética.



Assistimos ao “Tombamento” de mais um prédio histórico na divisa Porto Alegre – Viamão

O Patrimônio Histórico de Viamão necessita de diversas ações imediatas da administração pública, da iniciativa privada e de todos os segmentos sociais interessados nesta intervenção, com vistas à preservação e potencialização da sua riqueza histórica e cultural que é significativa para a nossa cidade e para todo o Estado do Rio Grande do Sul.
Nesta última semana perdemos mais um prédio com valor e importância histórica para a Cidade de Viamão, bem como para todo o Estado do Rio Grande do Sul. Na divisa de Viamão com Porto Alegre, próximo a parada 31, assistimos a mais uma lamentável cena de destruição de uma parte importante do nosso patrimônio edificado. Trata-se de um casarão em estilo açoriano construído no final do século passado e que ainda hoje apresentava diversas características da sua arquitetura original: cobertura de telhas côncavas de barro oriundas de Laguna, paredes e alicerces espessos (quase 50 Cm), fixação dos tijolos com barro (não existe cimento neste tipo de casario), localização na margem dos caminhos dos tropeiros (a Avenida Bento Gonçalves é uma das estradas mais antigas usada pelos nossos antepassados desde os idos de 1700).
A reportagem da Zero Hora de 03 de dezembro intitulada “A Cidade que a História esqueceu” (pág. 42) traz informações sobre a atual situação da antiga cidade de Santa Isabel do Sul e de como uma cidade pode se transformar em uma vila, mediante o tipo de relação dos seus governantes e moradores com a sua história e com a sua memória social e cultural. O jornalista Fabrício Cardoso afirma: “O Tempo foi impiedoso com Santa Isabel do Sul, lugarejo à beira do Canal de São Gonçalo, a 46 milhas do fim do Brasil. O local que no século passado gozou de autonomia política por 11 anos, hospedou monarcas e ostentou na arquitetura a riqueza que por ali transitava se resume hoje a uma vila de pescadores subordinada ao Município de Arroio Grande”. Porém, mais do que informar, esta reportagem apresenta um exemplo muito significativo de como uma relação de descaso e desvalorização de uma cidade com a sua história e com a sua memória social e cultural pode levar a um estágio de comprometimento da sua própria existência. Para nós, viamonenses, que temos pecado bastante nessa relação, principalmente com o patrimônio edificado, fica o alerta sobre o futuro que queremos para a nossa Cidade.
A Administração Pública Municipal de Viamão, através da Secretaria Municipal de Cultura, Esporte e Turismo (SMCET), está reunindo todos os esforços para, a partir de 1º de janeiro, retomar os projetos de valorização do patrimônio cultural mnemônico, iniciados nesta gestão, e de iniciar um amplo debate com a comunidade viamonense, com vistas a construção coletiva e solidária de uma nova consciência no relacionamento do cidadão com a sua história e com o seu patrimônio edificado. Contudo, a responsabilidade da preservação da identidade e da bagagem cultural de Viamão, em última análise, da preservação da nossa Cidade deve ser perseguida por todos os segmentos, setores e grupos sociais realmente comprometidos com o futuro da nossa gente.




VIAMÃO, E DAÍ ? (Em Resposta ao Leitor Aurélio Gageiro Kieling)

Como a Velha Capital dos Gaúchos, Viamão tem um grande potencial turístico e histórico. O Historiador e pesquisador Moacir Flores (UFRGS/PUC/RS), especialista em história do Rio Grande do Sul, relatou-me, em um momento passado bastante recente, o seu pesar de não ver a nossa cidade trabalhar e canalizar este potencial.
Durante o trabalho e pesquisa de campo que realizamos recentemente, com o objetivo de construir um relatório textual e uma exposição fotográfica denominados “Entrando na Cidade de Viamão”, observamos alguns aspectos que são reforçados tanto pela preocupação do historiador Moacir Flores, quanto pela posição do leitor deste semanário que descreveu os seus sentimentos através de artigo denominado “Viamão, e daí ?” (Correio Rural de 28/05/99).
Salientamos neste trabalho que, de um modo geral, as entradas do município não estão recebendo bem os que aqui “aportam”. Eu explico: Em primeiro lugar, existe a confusão de denominar apenas o Centro (Histórico, Administrativo, Político e Financeiro) de Viamão como Viamão, deixando obscura a informação de que, por exemplo, ao se cruzar à ponte da parada de número 31, marco de divisa entre os Municípios de Porto Alegre e Viamão, já estamos adentrando a Cidade de Viamão (e não a 10 Km de distância da cidade como informa a placa oficial). Esta “desinformação” está culturalmente entranhada no imaginário do viamonense e pode ser ratificada nas conversas informais que travamos com qualquer morador da região, isto é um fato. Porém continuar reforçando esta confusão de identidade social e citadina, através de placas de sinalização equivocadas feitas (ou impressas) por quem não conhece intimamente a cidade (leia-se DAER e seus Técnicos), é uma responsabilidade local das autoridades responsáveis por este tipo de informação, em especial a Secretaria dos Transportes, Obras e Viação de Viamão.
Em segundo lugar, como expressamos no trabalho aqui referido, a entrada das pessoas, especialmente os moradores de outras cidades, em Viamão poderia ser “Aquecida” e de alguma forma estimulada se houvesse uma espécie de Pórtico de Entrada com frases tradicionais do tipo: “Bem Vindos a Viamão”; “Seja Bem Vindo à Velha Capital do RS”; ou qualquer outra expressão deste gênero de afetuosidade e cordialidade comum em várias cidades que conhecemos. Isto vale não só para a entrada da cidade via RS-040, sentido Porto Alegre-Viamão, a mais utilizada para o acesso ao centro de Viamão, mas também para as demais entradas que apresentamos visualmente na exposição fotográfica que realizamos.
O resgate da identidade e da memória cultural, histórica e étnica do povo viamonense, trabalhado com precisão e maestria pela Secretaria Da Cultura, tem construído um importante suporte de cidadania até então inédito na história da nossa cidade. No entanto, precisamos ainda avançar bastante neste sentido, como no caso das sinalizações, fato aqui citado, e para isso queremos ser parceiros da Administração Municipal e sujeitos da edificação do nosso próprio processo histórico e cultural que se constitui no nosso dia a dia.


O FASCÍNIO DO LAGO

O Lago de Tarumã é um dos pontos turísticos mais importantes do nosso município, sobre isto não paira nenhuma dúvida. O que chama a nossa atenção e nos convida para uma análise reflexiva é o fascínio que o Lago exerce atualmente sobre uma parcela da Classe Média Alta viamonense.
Criado para estimular um empreendimento comercial da época - o loteamento Tarumã – biologicamente o Lago Tarumã representa um pouco do extenso potencial hídrico da nossa Cidade. Após ter sido local onde se encontravam piscinas públicas para uso da comunidade (décadas de 60 e 70), atualmente é muito procurado por pessoas de classe popular como opção de lazer, especialmente nos dias quentes do verão. Opção que apresenta risco de vida para os seus usuários, pois ali já morreram diversos banhistas, vítimas de afogamento.
Socialmente falando, a região do Lago Tarumã concentra grande parte de uma Classe Média Alta viamonense em ascenção, ou seja, um extrato social também denominado por muitos como “Burguesia”. Com um grande número de finas residências e algumas manções, a Região do Lago exerce um grande fascínio em cidadãos oriundos de outras regiões da Cidade (especialmente das vilas populares) que adquiriram poder econômico e necessitam demonstrar a sua nova condição social. Antropologicamente falando, aderir ao poder simbólico representado pela situação de “morar bem”, neste caso, pelo ato de morar no entorno do Lago Tarumã, significa uma espécie de um ritual de passagem de uma condição “Proletária” para uma condição “Burguesa”. As benesses da beleza natural do lago aliada a uma condição social privilegiada levou antigos “Vileiros” a aderirem aos fascínios do Lago. Alguns viamonenses atualmente vereadores e funcionários públicos, entre outro “trabalhadores”, já aderiram ao fascínio do Lago e residem atualmente no seu entorno. Tenho a experiência pessoal de conhecer um funcionário público que se declara até Comunista, mas também aderiu ao fascínio do Lago, vejam que ironia do destino, e um outro, atualmente vereador, que dedicou toda uma edição do seu jornal para declarar o seu fascínio pelo Lago Tarumã.
As belezas naturais historicamente exercem fascínio sobre o ser humano. Pessoalmente também possuo uma experiência deste tipo, pois tenho uma espécie de “adoração” pelas belezas naturais de um outro importante ponto histórico do nosso município: O Morro de Santa Ana (atualmente Morro Santana). Como morador da Vila Santa Isabel a mais de 30 anos, ou seja, na condição de “Vileiro”, tenho me dedicado ao estudo e investigação da história desta região, destacando a memorável trajetória de Jerônimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos, o primeiro sesmeiro do Morro Santana e fundador deste lugar. Os detalhes desta história estão disponíveis na INTERNET no Site www.santaisabel.on.to ou através do endereço eletrônico jaquesja@terra.com.br Vale a pena dar uma olhada e participar deste “redescobrimento” da história do lugar em que vivemos.


ITAPUÃ – Paraíso Ecológico Preservado

Viamão conta com uma expressiva extensão territorial repleta de belezas e riquezas naturais preservadas: O Parque Estadual de Itapuã que possui 5560 hectares de muito verde e de belíssimas praias.
O Parque Estadual de Itapuã é uma das principais atrações turísticas e de lazer não só de Viamão, mas de toda a região metropolitana de Porto Alegre. Vale a pena conferir. Além da importância ecológica e paisagística, Itapuã é um dos principais pontos históricos de Viamão, pois concentra muita tradição e cultura nas lendas e mitos contados pelos descendentes de açorianos que povoam a região até hoje.
Maiores informações sobre este paraíso ecológico podem ser disponibilizadas através da Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo de Viamão que fica no Centro da Cidade – Calçadão Tapir Rocha, 49.


ZERO HORA traz a Verdadeira História de Itapuã

O Jornal Zero Hora informou corretamente a história de Itapuã na edição de Domingo (21/04/2002), desfazendo equívocos divulgados por alguns viamonenses.
Em matéria especial com o título “Renasce o santuário de Itapuã”, o jornal ZH traz na página 42 da edição do último Domingo um pequeno histórico sobre Itapuã que passamos a transcrever:
“Itapuã foi um importante palco da história gaúcha durante a Revolução Farroupilha. Para impedir a passagem de navios imperiais vindos do Rio para combater a revolta, os farrapos montaram fortes nos morros hoje conhecidos como Itapuã e Fortaleza, dentro da atual área do parque. Em 1836, uma força imperial atacou os revolucionários no Morro da Fortaleza, matando 32 combatentes e fazendo prisioneiros. Dois navios farrapos estão afundados nas proximidades da Praia das Pombas.” Assina a matéria o jornalista Humberto Trezzi.
Trata-se, na verdade, de uma pequena síntese indicativa da importância histórica que esta região tem no contexto da formação sócio-cultural do Estado do Rio Grande do Sul. Infelizmente, ainda hoje presenciamos algumas tentativas de descaracterização da verdadeira importância histórica de Itapuã. Alguns viamonenses “forçam a barra” com pseudopesquisas que se utilizam de técnicas e métodos investigativos no mínimo discutíveis para tentar enobrecer a história do lugar que por si só já é bastante significativa. Falam da chegada de uma leva de Casais Açorianos em Itapuã, a fim de reivindicar a açorianiedade viamonense. Existe, na verdade, uma grande confusão, pois o atual porto de Porto Alegre recebeu a denominação de Porto de Viamão, quando toda a região era conhecida como “Campos de Viamão”, local em que aportaram em 1752 uma leva de 60 Casais Açorianos vindos do Arquipélago dos Açores. Já chamamos a atenção dos nossos leitores em outras ocasiões sobre este equívoco histórico, no entanto, reafirmamos aqui estas informações. Parabéns ao Jornal Zero Hora por buscar fontes idôneas na pesquisa que culminou com a reportagem supra citada.


O LIXO e a CULTURA

É lastimável ver uma Cidade tomada pelo Lixo.
Na Cultura Ocidental Contemporânea Capitalista os materiais e objetos que não possuem mais utilização pelo sistema produtivo tradicional são descartados e denominados de “LIXO”. Este material é acondicionado em recipientes específicos, recolhido e depositado, incinerado ou recebe outros tipos de tratamento até a sua extinção definitiva. Ou seja, local de “LIXO” é no Lixo.
Este ensinamento os professores passam para os alunos, preparando-os para uma vida saudável e harmônica com a natureza. Os professores da Escola Municipal Santa Cecília devem transmitir esses princípios para os seus alunos, porém nos fundos da escola – Frente da Igreja Santa Cecília os alunos se deparam com uma cena dramática: Uma Grande quantidade de lixo doméstico espalhado pela calçada. Qual é a experiência educativa para os alunos que transitam ali diariamente ? Qual é a resposta que a nossa comunidade pode dar a esta atitude de despeito com o Cidadão Contribuinte ?

A CULTURA

Uma grande atividade cultural acontece neste mês de novembro na Santa Isabel.
Os festejos do mês da Padroeira iniciaram no último dia 03/11/2001, conforme já comentamos aqui neste espaço, com uma programação bastante intensa e seguem até o final de novembro.
A 3ª Semana Cultural da Santa Isabel inicia em grande estilo no dia 21 (Quarta-feira) as 20 horas no Salão Paroquial (Avenida Liberdade) com esquete teatral, projeção de slides, atrações musicais e de dança, mostra de artes plásticas e literatura, entre outra atrações. Com o apoio dos comerciantes e pequenos empresários de Viamão, organizado pela AAPC, Talho Doce e Paróquia Santa Isabel, o evento promete muitas emoções para toda a nossa comunidade. Vale apena conferir, pois a entrada é franca para todos e os artistas que queiram participar basta preencher uma ficha disponível na Secretaria da Paróquia ou no Escritório da AAPC (Rua Lisboa, 495 – Santa Isabel)
Gostaríamos, desde já, agradecer a todos os amigos, colaboradores e patrocinadores que já confirmaram o seu estímulo a este evento. Dentre eles: Lojas Ione, Mauro Matiotti Fotografias, Armazém das Embalagens, Super Xis Genesini, Auto Posto Boneto, Escola New Hage, San Marino, Vídeo Mania, Drogafar, Clube Hípico Lancelot, Tele-Mensagens Fala Coração.





OS LADRÕES PÚBLICOS e o CRIME PERFEITO

A coluna do Décio Freitas na ZH merece ser lida pela sua qualidade analítica, sobriedade textual e seriedade na abordagem dos assuntos que desenvolve.
Sou leitor assíduo da coluna do historiador Décio Freitas no Jornal Zero Hora. É o tipo de leitura que anima a reflexão necessária sobre alguns temas muito importantes da atualidade brasileira. Diante disto, com a devida permissão do autor, me dou o privilégio de parafrasear a minha coluna com o título da coluna do Décio da edição do último dia 20/01/2002 de ZH, agregando uma frase da sua conclusão.
De um modo geral, o autor traz a tona uma constatação antiga dos estudos antropológicos da formação das sociedades contemporâneas capitalistas ocidentais, especialmente a brasileira: a corrupção na máquina institucional pública tornou-se um elemento endêmico maioria dos sistemas sociais analisados. O autor inicia de forma didática introduzindo o assunto: “Entre outras coisas, o monopólio da violência exercido pelo Estado abrange a faculdade de subtrair dos cidadãos parcela da sua propriedade, notadamente dinheiro, sob a forma de imposto e congêneres. Dado que a maioria dos cidadãos não só o admite, como julga necessário para que o Estado proveja bens e serviços coletivos, o monopólio é legítimo. (....) Mas é universal a indignação contra a corrupção – a ratonice do dinheiro público por políticos delinqüentes, em proveito próprio e / ou interesses privados. Em grau variável, assombra a vida de todas as sociedades políticas.”
Décio Freitas segue falando da Transparency International, organismo criado para investigar e denunciar a corrupção no mundo, e trazendo dados estatísticos interessantes sobre o assunto, fruto de estudos elaborado por esta instituição internacional. Vejam, por exemplo, o seguinte trecho: “A Transparência estabeleceu, num grupo de 91 países, o ranking da corrupção, adotando o 1 como menos corrupto. A gélida Finlândia (metade da população e um terço do território do RS), com renda per capita de mais de US$ 20 mil, possui a classe política mais honrada do mundo. Depois, entre os menos corruptos, entram os desenvolvidos, mas também três subdesenvolvidos: o Chile (logo abaixo dos EUA e de Israel) e, surpreendente, Botswana, quase na mesma posição que França, Bélgica e Portugal. (...) Entre os mais corruptos, aparecem países africanos, latino-americanos e asiáticos. Num total de 91 países, a classe política brasileira ocupa humilhante 46º lugar no ranking.” O egrégio historiador conclui, afirmando: “Medidas institucionais poderia reduzir a rapinagem, mas o diabo é que isso depende da própria classe política. (...) E assim, a corrupção vem a ser o crime perfeito.”
O assunto é delicado e bastante debatido, as conclusões não são novas, mas fica no fundo do ânimo de todo o cidadão honesto uma ponta de decepção com o próprio sistema social que permite “os ladrões públicos” e o “Crime Perfeito”. No entanto, como toda a regra tem a sua exceção, podemos lutar para viver, pelo menos, algumas raras mais honradas “excessões” que ajudem melhorar a colocação do nosso país no ranking mundial da corrupção, coroando de mérito o bom agente político e penalizando exemplarmente os gestores públicos que se locupletam indevidamente do poder que possuem.



E que venha 2002 - Um Ano de Decisões (Parte 1)

O Ano Novo chega com a perspectiva de várias decisões e definições que influirão na nossa vida na próxima década. No plano político, econômico e social as transformações ocorridas em 2002 deverão criar uma estrutura geral de sustentação dos próximos 5 ou 6 anos, quem sabe até da próxima década inteira. A partir da edição de hoje, passaremos a traçar algumas considerações analíticas sobre o próximo ano. Não trata-se de futurologia, nem de “previsões”, mas de uma leitura de dados que dispomos para realizar uma reflexão sobre o próximo período que se avizinha. Por se tratar de matéria de alta complexidade, dividiremos esta análise em três capítulos: Parte 1 – Contexto e Panorama Internacional; Parte 2 – Contexto e Panorama Nacional e Regional e Parte 3 – Panorama e Contexto Local (Municipal).
Está claro para a maioria dos analistas que 2002 não é apenas mais um ano, 2002 é o ano. No plano internacional 2002 é um ano de muitas definições econômicas, sociais e políticas que influenciarão todo o mundo globalizado, inclusive o Brasil. Na Economia poderíamos destacar o teste (já em curso) para a maior façanha econômica da Europa nos últimos séculos: a estabilidade, o êxito e a adesão a uma moeda única – o Euro. Como a moeda é muito mais do que apenas um meio financeiro circulante, pois representa a cultura de troca construída ao longo dos anos pelos povos que aderem a este sistema monetário, a consolidação da implantação de uma nova moeda que agrega todos (ou a maioria) os integrantes da comunidade econômica européia, em detrimento das antigas moedas já adotadas por cada país em particular, pode definir uma nova lógica econômica mundial. A implantação do “Euro” neste primeiro dia do ano de 2002 representa uma nova fase de construção dos grandes blocos econômicos mundiais, ou seja, uma transformação que pode trazer algumas conseqüências para o nosso “Bloco Econômico”, MERCOSUL. E por falar em economia mundial e MERCOSUL, merece destaque também as definições e decisões que los ermanos argentinos deverão assumir neste 2002 com desdobramentos diretos na economia e na política brasileira. Certamente continuaremos neste novo ano “de olho na Argentina” por prudência e necessidade natural de vizinhos que trocam diversas relações comerciais, culturais, sociais e econômicas. O turismo no Brasil foi a primeira vítima do caos argentino, já se comenta em um decréscimo de 50 a 70 % da entrada dos ermanos nas nossas praias gaúchas e catarinenses numa comparação ao ano passado. Mas os estragos não param aí, pois há a possibilidade de calote também para os empresários brasileiros que exportaram os seus produtos para a Argentina. Os desdobramentos são muitos e difíceis de serem vislumbrados até que o país vizinho defina as suas novas políticas econômicas, fiscais e cambiais.
No plano internacional não poderíamos deixar de lado os desdobramentos da guerra dos EUA com o Talibã (ou Bin Laden). Muitos comentaristas da imprensa afirmam que se fosse para escolher “O Dia” do ano que passou, este dia seria o de 11 de setembro, dia dos ataques terroristas ao centro financeiro dos EUA, quando o Talibã derrubou (literalmente) o maior ícone do capitalismo mundial, as torres gêmeas do World Trade Center. Ampliando o foco, observamos que a tecnologia das armas químicas, atômicas e bélicas avançam no mundo todo, principalmente nas grandes potências econômicas mundiais. Apesar das inúmeras campanhas publicitárias e dos discursos bem intencionados, a intolerância religiosa, racial e étnica também avançam. E o sentimento dos Norte Americanos (EUA) de serem “Os donos do mundo” avançam em proporção análoga. Sentimento este vitalizado por uma onda de civismo e nacionalismo produzidos pelo governo a partir dos ataques terroristas, talvez no intento de conquistar o respaldo “popular” necessário às medidas políticas e militares tão imbecis, estarrecedoras e desumanas quanto às adotadas pelo inimigo. Tendo como alvo principal o líder do regime Talibã, na lógica de defesa dos EUA é possível bombardear grupos civis aliados, hospitais e armazéns do sistema de ajuda humanitária internacional, matando diversos inocentes e depois afirmar na imprensa que foi um erro de cálculo militar. No outro lado do front o protagonista principal, Bin Laden, desafia o poder do inimigo com sua cartilha de intolerância religiosa do tipo: “O que é nosso é bom, o resto é o mal”. A experiência política do Talibã reafirma uma impressão que já tínhamos de reconhecer em todo o tipo de totalitarismo, seja ele de centro, centro-direita, centro-esquerda ou qualquer outro posicionamento, um total desrespeito aos direitos humanos e a própria pessoa humana . Na esteira deste conflito internacional sem precedentes na história contemporânea fica para 2002 alguns ensinamentos e uma grande perplexidade mundial a respeito dos seus desdobramentos internacionais ainda represados.
Em um mundo definitivamente globalizado, os acontecimentos econômicos, políticos e sociais internacionais devem ser observados, analisados e discutidos por todos nós. Viamão não é uma ilha e sofre a influência de todo este contexto internacional. Mais do que isso, se quisermos mudar o mundo, é necessário começar pela nossa comunidade local, o centro do mundo para quem dela faz parte. É aqui que qualquer idéia ou projeto de mudar o mundo deve começar. Na próxima edição analisaremos o contexto nacional e estadual.


E que venha 2002 - Um Ano de Decisões (Parte 2)

O Ano Novo chega com a perspectiva de várias decisões e definições que influirão na nossa vida na próxima década. No plano político, econômico e social as transformações ocorridas em 2002 deverão criar uma estrutura geral de sustentação dos próximos 5 ou 6 anos, quem sabe até da próxima década inteira. A partir da edição passada, passamos a traçar algumas considerações analíticas sobre o próximo ano. Não trata-se de futurologia, nem de “previsões”, mas de uma leitura de dados que dispomos para realizar uma reflexão sobre o próximo período que se avizinha. Parte 2 – Contexto e Panorama Nacional e Regional.
No Plano Nacional, o ano novo definirá um (a) novo (a) presidente para o Brasil e talvez um novo plano de desenvolvimento econômico e social para os brasileiros. Através do sufrágio universal direto na sua versão informatizada brasileira, amparado pelo princípio da democracia representativa ocidental contemporânea capitalista, os brasileiros exercerão o direito de escolher também os chefes do poder executivo estadual e os membros dos poderes legislativos a nível estadual e federal. Poderão também perceber que, mais uma vez, a escolha foi equivocada, arrepender-se logo em seguida e ficar tecendo extensas críticas até as próximas eleições. Contudo, 2002 representa na política a oportunidade de realizar-mos uma das maiores definições da década, como já afirmava no início deste, pois podemos ter a reedição do advento da reeleição. É mais ou menos assim: o (a) presidente é eleito (a), define um bom plano de mídia e uma boa campanha publicitária, investe no social nas vésperas da eleição e, apesar de não fazer um bom governo, acaba por ser reeleito (a) e lá se vão dois mandatos, quase dez anos e agora a possibilidade de se transformar em senador vitalício com o beneplácito do Congresso Nacional.
Especialmente no pleito estadual, 2002 apresenta a oportunidade da Consolidação do Projeto Político e Administrativo implantado pelos partidos que compõe a Frente Popular, Projeto Democrático e Popular. Conhecido e testado na capital, através de sucessivas experiências bem sucedidas, pouco conhecido e até temido por alguns no interior do Estado do Rio Grande do Sul, o projeto apresenta algumas deformações e necessita de algumas urgentes reformulações e readaptações para a nossa realidade regional, um estado (quase nação) com uma imensa pluralidade e diversidade cultural, social e econômica. Com a oxigenação necessária ao projeto, a sua implantação pode ser respaldada pelo voto popular neste 2002, a exemplo do que já ocorre em Porto Alegre. Como vimos, a decisão das urnas neste ano de 2002 significa muito na vida dos brasileiros para este ano e para os próximos anos vindouros imediatos a este. A campanha eleitoral promete ser bastante disputada e envolver toda a sociedade que precisa ficar alerta e atenta aos “encantos de sereia” e decidir com seriedade e responsabilidade os seus próprios rumos.
Os ventos latinos da instabilidade na Argentina sopram para estes lados, trazendo um importante exemplo de como uma receita essencialmente neoliberal pode acabar por acometer o paciente com uma falência múltipla e generalizada dos órgãos. A privatização do patrimônio público, a desestatização dos setores estratégicos para a nação, a estabilidade virtual do sistema econômico, o assistencialismo e a corrupção endêmica na política brasileira são “vírus” que devem ser combatidos inexoravelmente pela “Boa Política”. A análise da melhor candidatura para o executivo, tanto a nível nacional como estadual, deve estar diretamente relacionada ao tipo de modelo de desenvolvimento sócio-econômico que está propondo para o cidadão. Outro indicador infalível para quem avalia uma candidatura ou um candidato é sempre desconfiar das promessas vagas, fantasiosas e muito exuberantes.
Na próxima edição, continuaremos com análise do plano municipal e seus desdobramentos em 2002.


E que venha 2002 - Um Ano de Decisões (Parte 3)

O Ano Novo chega com a perspectiva de várias decisões e definições que influirão na nossa vida na próxima década. No plano político, econômico e social as transformações ocorridas em 2002 deverão criar uma estrutura geral de sustentação dos próximos 5 ou 6 anos, quem sabe até da próxima década inteira. Nas edições anteriores passamos a traçar algumas considerações analíticas sobre o ano de 2002. Não trata-se de futorologia, nem de “previsões”, mas de uma leitura de dados que dispomos para realizar uma reflexão sobre o próximo período que se avizinha. Encerramos hoje com a Parte 3 – Contexto e Panorama Municipal.
No Plano Municipal, 2002 representa a renovação das esperanças em dias melhores para uma Cidade ainda perplexa com as suas próprias limitações, dificuldades e pobrezas. Só para citar algumas motivações da perplexidade do nosso povo: a) Os trabalhadores não entendem (e eu também até hoje não entendi muito bem) porque a realidade local dos municípios vizinhos como Alvorada e Gravataí é tão diferente quando comparada a Viamão, especialmente no item Infra-Estrutura Básica (saneamento, pavimentação, coleta e tratamento de lixo, etc.). É degradante para o trabalhador a exposição algumas calamidades públicas como esgoto cloacal escoando a céu aberto, vias intransitáveis pela força da erosão, paradas de ônibus sem abrigo, entre outros problemas desta natureza. b) Em tempos de relações virtuais via Internet e de comunicação em tempo real através dos dispositivos mediáticos disponibilizados pelas novas tecnologias da informática, a grande maioria dos viamonenses continuam sem um acesso amplo à dispositivos ágeis e democráticos de comunicação. É necessário salientar o esforço de algumas entidades como, por exemplo, a Rádio Comunitária de Itapuã que está operando ininterruptamente a bastante tempo e presta um importante serviço para a comunidade local.
No que concerne a Administração Pública Local, o grande desafio é a adaptação das finanças aos preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente aos gastos com pessoal que ainda excedem ao limite máximo permitido, além da busca de um lastro de apoio popular e sustentação nos movimentos sociais organizados e nas entidades não governamentais, até a gora não conquistados pelo executivo municipal. A instalação de uma CPI para investigar possíveis irregularidades na Prefeitura Municipal também promete agitar o cenário político local, muito provavelmente indicando a existência de alguns “lobos em pele de cordeiro”.
No plano das esperanças, o ano de 2002 apresenta, mais uma vez, a oportunidade de Viamão ganhar visibilidade e poder de articulação política em todo o estado, através de uma cadeira no legislativo estadual. Na história recente da nossa política ficou a “saudosa” lembrança de um importante político viamonense que conseguiu conquistar este espaço de poder político, Tapir Rocha (Ex-Vereador, Ex-Prefeito e Deputado Estadual). Começam a aparecer algumas candidaturas para o atual pleito sem apresentar condições reais de ocupação de um espaço na próxima legislatura da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (Infelizmente!!).
Para um nativo não é nada fácil falar da sua própria aldeia sem incorrer em alguns vícios de origem da própria natividade. Portanto, é muito difícil elaborar esta última parte da série de três colunas sobre o ano de 2002. Contudo, sabemos que 2002 é um ano de muitas definições e decisões também para nós viamonenses. É necessário trabalhar com bastante afinco e tenacidade na defesa de nossos ideais, projetos e utopias para construirmos um 2002 melhor para todos a partir do nosso local de origem, da nossa Cidade. As transformações que queremos para todo o mundo começam aqui no nosso quintal. E que venha 2002 !!


Sinalização Equivocada Está Matando

Após a realização da pesquisa de campo que realizamos desde janeiro de 1999, culminando com a Exposição Fotográfica “Entrando na Cidade de Viamão”, é necessário trazermos algumas constatações a conhecimento público.
As entradas e acessos à Cidade de Viamão estão, de um modo geral, necessitando de um cuidado e uma manutenção mais adequadas no que concerne aos aspectos paisagísticos e urbanísticos, sinalizações de trânsito e, especialmente, aos aspectos de receptividade para os visitantes de outras cidades.
Visualmente as entradas da cidade necessitam de intervenções urbanísticas e paisagísticas que venham a valorizar os seus potenciais históricos, culturais e econômicos. Além das já tradicionais preocupações com a manutenção dos canteiros centrais e laterais das rodovias que dão acesso à cidade, é necessário investir em projetos mais arrojados que apresentem para os visitantes que chegam a cidade uma preocupação com a sua chegada. Ainda sobre este aspecto da receptividade, correlacionado com as necessidades de intervenções urbanísticas e paisagísticas como mencionamos, existe a necessidade de expressarmos visualmente, verbalmente e cordialmente a nossa satisfação em recebermos os visitantes de outras cidades em nosso município. Ou seja, necessitamos dos tradicionais pórticos (ou portais) que transmitam uma mensagem para os que aqui “aportam” do tipo: “Seja Bem Vindo à Cidade de Viamão” , “Bem Vindo à Velha Capital”, ou qualquer outra deste mesmo teor.
Contudo, mais grave e mais urgentes do que estes aspectos citados até aqui, estão os problemas provocados pela “desinformação” difundida por algumas placas de sinalização que estão nas entradas e nos acessos da cidade. Para não nos alongarmos muito, citaremos apenas dois exemplos que podem ser acompanhados nas fotos que são o produto desta pesquisa de campo.
No quilômetro 0 da RS 040 temos o primeiro exemplo: A Placa “informa”: Viamão a 10 Km, sendo que ao cruzarmos a ponte sobre o Arroio Sabão já estamos na Cidade de Viamão. Para as pessoas que não conhecem a cidade ficará a pergunta: Qual o nem deste lugar compreendido entre o final do município de Porto Alegre e “a Cidade de Viamão”?
A Placa oficial reproduz e ratifica uma determinada cultura estigmatizadora que coloca o 4º Distrito de Viamão como um lugar a parte da Cidade de Viamão. Principalmente para os viamonenses mais jovens que passam diariamente pela RS 040 e são “informados” equivocadamente sobre onde começa a sua cidade, ao lerem a Placa Viamão a 10 Km, está dado um problema muito sério de identidade e pertencimento ao seu local de origem. Por estas e outras razões é urgente e necessária a revisão destas informações difundidas por estas placas.
Nas Placas que orientam o deslocamento de Porto Alegre para Viamão, Via Protásio Alves e Estrada Caminho do Meio está o nosso segundo exemplo. As Placas nos dois sentidos orientam que se faça o trajeto para Viamão, passando pelo Centro da Santa Isabel, local de trânsito lento e difícil. O melhor trajeto seria continuar pelas Avenidas Protásio Alves e Caminho do Meio por serem zonas de melhor trafegabilidade. Fazemos esta observação, pois nos períodos de veraneio, por exemplo, é muito intenso o deslocamento de PortoAlegrenses para o as praias do Litoral Norte. Muitos deles optam pela RS 040 para realizarem a sua viagem. Os motoristas que vem da Zona Sul de Porto Alegre, utilizam a Avenida Bento Gonçalves, passando direto para a Avenida Sen. Salgado Filho (RS 040), no entanto aqueles que vem da Zona Norte, utilizam a Protásio Alves e ao chegarem no trevo da Avenida do Trabalhador são “empurrados” pela sinalização equivocada para dentro de um perímetro urbano com grande circulação de veículos e pedestres, Centro da Santa Isabel, até chegarem a RS 040 (altura da parada 32 de Viamão). Se tomarmos como parâmetro o aumento considerável de acidentes na Avenida Liberdade observado nos últimos anos, veremos que de fato esta sinalização equivocada “está matando viamonenses”, sem nenhum exagero de expressão ou leitura da realidade.


TALENTOS DA REGIÃO

O Jornal “A Tribuna” realizou uma belíssima festa de entrega do Prêmio “Talentos da Região” no último dia 13, situação em que tivemos a honra de estar entre os agraciados.
A Solenidade aconteceu em grande estilo durante um jantar no Clube dos Casados e contou com a presença de pessoas ilustres da nossa comunidade, representando diversos segmentos profissionais de Viamão. A direção do Jornal “A Tribuna” está de parabéns não só pela iniciativa de reeditar este concurso, como também pela perfeita organização de mais uma edição neste ano de 2001.
Muito nos honra e foi com grande satisfação que nos colocamos entre os agraciados com o prêmio, pois a escolha acontece através de uma votação direta feita pelos leitores do nosso querido Jornal “A Tribuna”. Ter figurado entre personalidades como o religioso Padre Rogério da Igreja Matriz do Centro de Viamão, maior votação recebida pelos premiados, entre outros expoentes profissionais nos seus ramos de atividade, representa o reconhecimento da opinião pública pelo trabalho que estamos realizando na área da Cultura desde 1997 na condição de Voluntário da Secretaria da Cultura, desde 1998 como sócio-fundador da Associação dos Amigos do Patrimônio Cultural de Viamão (AAPC) e mais recentemente na Direção do Consórcio de Entidades Culturais do 4º e 8º Distrito, juntamente com o Padre Valdir Antônio Formutinios, Irmão Juliano Flack (Paróquia Santa Isabel) e Clair de Oliveira (Companhia de Artes Cênicas Talho Doce), entre outras entidades e lideranças culturais que estão se agregando paulatinamente a este projeto.
A participação neste tipo de evento é interessante, pois mostra para nós que, excluindo-se uma pequena parcela de indivíduos inescrupulosos, mal intencionados, aproveitadores e desonestos, possuímos e podemos contar com uma grande parcela de viamonenses (originais e emprestados) sérios, bem intencionados, competentes, capazes e que trabalham nos seus respectivos ramos de atividade com tenacidade, dedicação e competência na defesa e pelo progresso da sua Cidade.
Gostaríamos de finalizar esta coluna com os nossos mais sinceros votos de um Feliz Natal para todos os viamonenses !


GRANDE FESTA NA PARÓQUIA DA SANTA ISABEL

Neste último Sábado (03/11/2001) a Paróquia da Santa Isabel esteve em festa. Foi uma noite repleta de atrações e com grande participação da comunidade.
As 19:30 h iniciou as atividades com a celebração da missa crioula rezada pelo Padre Valdir. Na seqüência teve a roda de chimarrão com a ervateira Vier, a formatura da turma de dança de fandango do Professor Paulo e da Professora Nina Casagrande e um grande show com lançamento do CD do Grupo “Expresso Tchê”.
Estão de parabéns os organizadores da festa e a comunidade que participou ativamente de todas as atividades socioculturais que representam o início do mês da Padroeira da Santa Isabel que culminará com a 3a Semana Cultural da Santa Isabel e arredores (21 a 15 de novembro).


C a p í t u l o
3

- As Festas Populares Religiosas de SANTA ISABEL e de NOSSA SENHORA da IMACULADA CONCEIÇÃO: uma análise comparativa entre os dois maiores festejos católicos da Cidade de Viamão -


Apresentação


Com este vasto título (acima descrito) apresentei um trabalho monográfico na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Curso de Pós-Graduação em Antropologia Social, na Disciplina Teorias da Cultura, sem muito sucesso (segundo a avaliação do meu professor, um doutor da área).
O meu objetivo era, obviamente, entre outras coisas, dar destaque a nossa terra, abordando um tema de cunho antropológico que me acompanhava a bastante tempo: as diferenças e semelhanças entre os dois centros urbanos da cidade. Oficialmente, o centro político, administrativo e histórico do município fica no entorno da Prefeitura Municipal, da Câmara de Vereadores e da antiga igreja matriz. No entanto a dinâmica social fez prosperar um outro centro de interesse na cidade, a região da Grande Santa Isabel (sítio limítrofe com Porto Alegre com as suas atividades mais voltadas para a atual capital dos gaúchos do que para a velha capital). Encontrei aspectos culturais religiosos que estão intimamente relacionados com as discussões a cerca das tensões vividas por “isabelenses” e “viamonenses” na disputa pelo centro oficial (de fato e de direito) da cidade.
Penso que alcancei os meus objetivos, mas o professor não gostou muito do trabalho, afirmando que não possui uma relação importante com os temas propostos pela disciplina que desenvolveu durante o semestre. Trago a monografia em uma nova apresentação, para a avaliação dos meus leitores.



INTRODUÇÃO

A presente monografia representa o esforço de concluir os trabalhos realizados na cadeira Teorias da Cultura, ministrada pelo Professor Ruben Oliven, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social / Instituto de Filosofia e Ciências Humanas / Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através da análise de um tema específico no âmbito do conhecimento das teorias da cultura.
As festas populares de cunho religioso estão presentes em quase todo o território nacional. Cada localidade ou cidade possui traços característicos e uma dinâmica bastante peculiar, segundo a tipologia de significação e de simbolização que os agentes religiosos e comunitários imprimem nos seus eventos. Diante deste contexto mais geral, selecionamos duas festas religiosas que acontecem no município de Viamão para fazer uma análise comparativa entre as suas principais características. No contexto mais teórico, nos embasamos no pressuposto de que “nenhum objeto, nenhuma coisa é ou tem movimento na sociedade humana, exceto pela significação que os homens lhe atribuem” (SAHLINS, 1979). Portanto, tentaremos perceber, com base na pesquisa realizada, os aspectos concernentes a carga de simbolização e de construção social dos significados que envolvem, delimitam ou delineiam estas duas festas populares.
A cidade de Viamão é uma das maiores, em termos de população (220.000 habitantes) e extensão territorial (1.487 Km2), da região metropolitana de Porto Alegre (Ver anexo 1). Neste município existe uma divisão distrital que aponta para a formação de dois grandes centros urbanos: região central, sede administrativa e política do município, e região da Grande Santa Isabel, centro comercial ligado mais diretamente a Porto Alegre. Percebendo que existe duas festas religiosas populares ligadas a cada um destes dois pólos físico-geográficos, proponho realizar uma análise etnográfica e historiográfica de alguns aspectos sociais ligados à religiosidade destas duas localidades, através dos eventos anuais mais significativos para estas comunidades: a festa de suas padroeiras.
A região da grande Santa Isabel tem a sua devoção pela santa que a denomina, Santa Isabel (Ver anexo 2) e a região central de Viamão tem a sua devoção voltada para Nossa Senhora da Imaculada Conceição (Ver anexo 3). Orientado por uma perspectiva relacional e dialética, iniciarei o trabalho com a descrição das principais características e especificidades das santas e das festas em debate, investigando os principais aspectos das festividades realizadas em torno da adoração de ambas as santas. Em um segundo momento, trabalho com alguns dados históricos que colaboram no entendimento da atual dinâmica social observada nas comunidades observadas. Na parte final do trabalho, me proponho a realizar uma análise comparativa entre as duas festas, resgatando e apontando as suas principais semelhanças e diferenças, relacionando-as com a dinâmica social e história destas duas localidades. Nos anexos apresento iconografias referentes as construções textuais deste trabalho que enriquecem e reapresentam alguns dados já expostos no corpo da monografia.
Quanto a metodologia empregada, é importante destacar que abordo o meu objeto de estudo através do método etnográfico, (pesquisa qualitativa), incorporando as técnicas de observação direta e participante, complementadas com a realização de entrevistas e com a produção de imagens fotográficas e iconográficas. Destaco que entendo a observação participante como uma importante técnica de pesquisa, pois trata-se de “um processo pelo qual mantém-se a presença do observador numa situação social com a finalidade de realizar uma investigação científica. O Observador está em relação face-a-face com os observados e, ao participar da vida deles no seu cenário natural, colhe dados. Assim, o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e sendo modificado por este contexto.”


1. OS TRAÇOS IDENTITÁRIOS FORMADORES DAS SANTIDADES EM DEBATE

1.1 SANTA ISABEL

“Ó Deus,
destes para nós o exemplo de vida de Santa Isabel
que reconheceu e venerou Cristo nos pobres e doentes.
Daí a todos nós, por sua intercessão,
Seguir o exemplo de vida, no serviço aos pobres e aflitos,
Amando-os como Cristo os amou.
Amém.
Ave Maria ...
Santa Isabel, rogai por nós !”

Oração à Santa Isabel

Delinear os traços formadores e fundadores das santidades em debate, foi um anseio deste pesquisador na construção do presente trabalho, diante da carga simbólica e imaginativa que estão empregnados. Atividade que não foi muito fácil devido as fontes disponíveis para pesquisa. Lançamos mão de alguns panfletos, livros e outros impressos cedidos pelas paróquias e colhemos relatos dos padres que são responsáveis pelas igrejas pesquisadas, a fim de ter algumas informações básicas sobre as santas Isabel e Imaculada Conceição.
Segundo as informações colhidas nas entrevistas com o Padre Carlos e Padre Leoclides, párocos da Igreja Matriz de Santa Isabel, esta santa nasceu na Hungria em 1207, ainda muito jovem casou-se com o Duque Luís IV, tornando-se rainha da Hungria. Isabel era de caráter vibrante e muito dedicada à oração, possuindo grande amor para com os pobres e doentes e trabalhava contra toda injustiça feita ao seu povo. O seu marido a apoiava neste intuito de auxiliar os mais necessitados, porém com a morte de seu marido em uma batalha campal, ela foi obrigada, pela sogra e cunhadas, a deixar a corte, com vinte anos e mãe de três filhos. A sua expulsão aconteceu justamente pela sua opção de auxiliar e apoiar com afinco e retidão os mais pobres e necessitados, contrariando assim a sua orientação social de nobre que a cobrava um outro tipo de postura diante dos pobres. Desde então, abandonou a sua condição social anterior e passou a dedicar-se exclusivamente aos pobres. Ingressou na Ordem Terceira Franciscana, dedicando-se com afinco no auxílio a pessoas doentes. O desfecho desta história acontece com a sua morte que aconteceu em 17 de novembro de 1231, quando possuía apenas 24 anos e encontrava-se em uma situação de extrema pobreza e sofrendo de uma doença não nominada, mas mencionada como irreversível para os níveis tecnológicos da medicina praticada na época.
Como podemos perceber pelos relatos dos religiosos entrevistados, é muito presente no seu imaginário a opção da santa pelos pobres e doentes, o sofrimento que passou na defesa destes, a sua expulsão do castelo em que morava devido a esta opção, após a morte do seu marido, fatos que delineiam a conduta moral e social da Santa Isabel.
A opção pelos pobres e pela justiça social colhida da história de Isabel orienta toda a filosofia de trabalho e organização da paróquia da Santa Isabel até hoje. Os religiosos declaram que, na oportunidade da fundação da paróquia, a comunidade que procurava uma santa para ser a sua padroeira fez a sua opção pela Santa Isabel justamente pelo fato de que estas características da sua trajetória de vida eram significativas para esta comunidade formada por pessoas muito humildes, pobres e sofredoras devido a uma série de carências econômicas e sociais. Perguntados sobre os detalhes desta escolha, os religiosos comentam que a opção pode ter sido realmente definida muito mais por influência da vivência dos párocos da época que eram europeus e traziam na bagagem um pouco da história da Isabel da Hungria do que pela ansiedade popular de possuir uma padroeira com quem se identificassem, uma vez que os primeiros moradores da região não tinham contato com este tipo de informação.
Na sua imagem esculpida em gesso presente na Igreja Matriz da Santa Isabel merece destaque alguns ornamentos, cores e formas. As cores predominantes na sua vestimenta são o vermelho, o azul e o verde e o dourado da sua coroa. Em uma mão ela carrega um cesto com rosas e na outra, uma espécie de bastão. Segundo o Padre Carlos, em determinada situação, Santa Isabel, ainda rainha da Hungria, havia pegado um cesto de pães para distribuir entre os pobres em uma atitude que contrariava a sua família devido a situação social que ocupava. Ao distribuir os pães, as suas cunhadas e sua sogra surprenderam-na, tentando impedi-la de tal ato. Isabel, tentando simular a sua investida, evitando assim o conflito com sua família haveria realizado o seu primeiro milagre, através da transformação dos pães em rosas.


1.2 NOSSA SENHORA DA IMACULADA CONCEIÇÃO

“Se o Brasil nasceu à sombra da Cruz, organizou-se, cresceu, prosperou amparado sempre pela mãe santíssima, venerada ternamente e invocada sob numerosos títulos, cada qual mais belo e expressivo ... Entre os títulos marianos prevalece o da Imaculada, que exorta, com muitos secundários, mais de 350 dos templos principais. E era natural. Desde os primórdios floresceu em Terras de Santa Cruz a devoção à Imaculada Conceição de Maria, implantada pelos descobridores.”
Papa Pio XII numa alocução de 1954
A tradição que envolve a cultuação à Imaculada Conceição de Maria Santíssima está intimamente relacionada a cultura portuguesa e aos colonizadores portugueses que aportaram no Brasil na época do descobrimento. Em 1646 o Rei D. João IV consagrou Portugal e todos os seus domínios (inclusive o Brasil) a Nossa Senhora da Conceição. Alguns teólogos afirmam que o culto à Imaculada Conceição faz parte das mais antigas e veneráveis tradições brasileiras e que desde o seu nascimento, o Brasil vive sob o manto e o patrocínio de Maria Imaculada.
Nos primeiros séculos da história da igreja, o privilégio da Imaculada Conceição era tranqüilamente e sem contestações professado de modo implícito, no paralelo, com muita freqüência estabelecido pelos padres da igreja, entre Eva e Maria.
Assim como a antiga Eva saíra pura e imaculada das mãos divinas, assim também a nova Eva, Maria, deveria ter saído das mãos do criador, pura e imaculada. Isto é tanto mais razoável quanto a primeira Eva haveria de legar a morte a toda a sua descendência, enquanto a Segunda Eva daria a todos os seus filhos o oposto, ou seja, a vida. Seria contraditório que tivesse incorrido na culpa de Eva precisamente aquela que foi ordenada por Deus para a reparação de tal culpa.
Também era freqüente, nos padres da igreja, tanto do Oriente quanto do Ocidente, a proclamação da absoluta pureza e santidade de Nossa Senhora e nessa proclamação estava, sem dúvida, implícita a verdade da Imaculada Conceição, pois a mancha do pecado original não poderia compaginar-se com tão ilibada pureza e tão exímia santidade.
Nossa Senhora da Conceição é conhecida também como Patrona do Exército Brasileiro. A “Canção do Soldado”, hino do exército, era um antigo cântico em louvor da Imaculada. Segundo narração do General Dionísio Cerqueira, em suas memória sobre a Guerra do Paraguai, que na véspera da Batalha de Tuiuti (23 de maio de 1866) “ao toque de recolher, às oito da noite, todos os corpos formaram. Depois da chamada, os sargentos puxaram as companhias para a frente da bandeira e rezou-se o terço. Alguns praças, os melhores cantores, entoaram em voz vibrante, sonora e cheia de sentimento, a velha canção do soldado brasileiro: Ó Virgem da Conceição, Maria Imaculada, vós sois a advogada dos pecadores, e a todos encheis de graça com a vossa feliz grandeza. Vós sois dos céus, princesa, e do Espírito Santo, Esposa. Maria mãe de graça, mãe de misericórdia, livrai-nos do inimigo e protegei-nos à hora da morte, Amém.” Durante a Guerra do Paraguai, todas as noites o exército brasileiro se perfilava e, em conjunto, rezava o terço, sendo acompanhado pelas bandas de música.
Nossa Senhora da Conceição é também padroeira do Seminário Maior de Viamão e nomina a sua instituição de ensino: Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição (FAFIMC). Esta é a única instituição de ensino superior do município, situa-se na margem da RS-040 (parada 48) e traz na parte superior do prédio uma grande imagem da santa na cor branca, juntamente a um grande relógio. Durante a noite, para quem transita pela RS, a imagem da santa é bastante visível e chama bastante a atenção das pessoas que por ali passam devido a sua beleza, imponência e a um bom sistema de iluminação que facilita a visualização mesmo a quilômetros de distância da imagem.
Na sua imagem esculpida presente na Igreja Matriz de Viamão merece destaque alguns ornamentos, cores e formas. As cores predominantes na sua vestimenta são o vermelho, o azul e o dourado da sua coroa. Tem as mãos postas e está coberta por um vasto manto bastante colorido.


2. OS FESTEJOS POPULARES RELIGIOSOS PESQUISADOS

2.1 A FESTA DE SANTA ISABEL

As principais atividades da festa da padroeira da Santa Isabel são realizadas na semana que circunda a data da morte da Santa, 17 de novembro, porém os festejos mais gerais acontecem durante todo o mês de novembro. Isto acontece em função de que os festejos são divididos em duas programações, uma programação chamada de “Social” e outra denominada de “Religiosa”. O centro dos eventos é a própria paróquia e a organização fica a cargo de uma comissão de organização chamada de “festeiros” composta por 30 pessoas na oportunidade em que acompanhamos. Nos meses que antecedem o evento, os festeiros fazem diversas reuniões na igreja antecipando todos os procedimentos necessários para a realização da festa da padroeira. Estas reuniões e a organização como um todo são realizadas em parceria com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBES) e as capelas localizadas nas vilas próximas ao núcleo central da Vila Santa Isabel ligadas à igreja matriz.
A programação religiosa tem por objetivo reunir os devotos da santa mais ligados as atividades regulares da paróquia em torno das missas especiais, grupos de orações, procissões, entre outras celebrações religiosas. Na oportunidade em que acompanhamos as atividades da festa, observamos que esta programação religiosa iniciou no dia quinze de novembro com uma missa onde estiveram presentes todas as comunidades religiosas ligadas à Igreja Matriz de Santa Isabel e o tema era em “Louvor e Partilha das Santas Missões”. O encerramento das atividades do programa religioso aconteceu no dia vinte e um de novembro, denominado como o “Domingo da Padroeira”, com missa temática, “Sede Santos como vosso Pai é Santo”, procissão e uma missa solene após a procissão com o tema “A Exemplo de Santa Isabel caminhamos à Santidade”. Talvez um dos momentos mais esperados desta programação tenha sido a procissão luminosa que aconteceu no dia dezenove de novembro com saída da Igreja Matriz em direção à Comunidade Scalabrini, uma das dez comunidades religiosas ligadas à matriz que localiza-se na Vila Luciana, proximidades da Vila Santa Isabel. Nesta oportunidade a fé e a adoração da santa sai do universo paroquiano e ganha a publicidade popular pelas principais ruas da vila, com uma grande adesão dos moradores que não estão ligados diretamente a igreja, fiéis e seguidores mais freqüentes.
A programação social tem por objetivo reunir a comunidade de um modo geral, tentando propiciar a possibilidade de participação daqueles agentes sociais que não estão ligados mais diretamente às atividades de cunho estritamente religioso. É a oportunidade para que as personalidades públicas como o prefeito da cidade e demais autoridades públicas, empresários, etc. participem dos festejos populares religiosos emprestando o seu prestígio social para o evento e, ao mesmo tempo, aproveitando um espaço público de grande adesão da comunidade local para divulgar as suas idéias, externar as suas posições através de um pronunciamento oficial ou mesmo atuando nos bastidores da festa. Na oportunidade em que acompanhamos as atividades da festa, observamos que esta programação social iniciou no dia seis de novembro com um jantar dançante com música ao vivo, onde foi servido churrasco, galeto, feijão mexido, abóbora caramelada e buffet de saladas, além de outros pratos quentes. O encerramento das atividades do programa social aconteceu no dia vinte e oito de novembro, com a realização de um chá de confraternização onde foi realizado um concurso de escolha da Rainha Infantil da Festa.
Um dos momentos mais esperados desta programação para uma grande parte de comunidade carente da região talvez seja o “Almoço da Solidariedade”. No dia quatorze de novembro aconteceu um almoço especial oferecido para pessoas pobres e carentes da comunidade da Santa Isabel. Esta é uma atividade impregnada de significado religioso defendida pelos padres e responsáveis pela paróquia que afirmam: sendo a Santa Isabel protetora e zeladora dos pobres e doentes, este momento dos festejos é voltado especialmente para aquelas pessoas que não possuem recursos para participar dos outros momentos da festa onde são cobrados ingressos, convites, etc. Para ter acesso a este almoço, as pessoas interessadas procuram com antecedência a secretaria da igreja, declarando a sua situação de carência, para serem cadastradas, recebendo uma ficha que deve ser apresentada no dia do almoço. Paralelo ao “Almoço da Solidariedade”, acontece o “Almoço Festivo da Padroeira” no “Domingo da Padroeira”, domingo mais próximo no calendário ao dia da santa, 17 de novembro. Este é o ponto alto da programação social e aconteceu no dia vinte e um de novembro na oportunidade em que acompanhávamos as festividades do ano de 1999. O cardápio básico é composto por galeto e buffet de saladas e pratos quentes. Além do almoço festivo, oportunidade em que o salão paroquial ficou inteiramente tomado pela comunidade com a presença de, aproximadamente, 500 pessoas, nesta mesma oportunidade aconteceram brincadeiras do tipo “Pescaria”, realização de rifas promocionais e sorteio de brindes. No almoço estiveram presentes autoridades do município como o prefeito municipal, vereadores e empresários. Após ao almoço aconteceu uma “domingueira”, baile ao estilo gaúcho com presença de músicos tradicionalistas que animaram a festa até o início da noite de Domingo.


2.2 A FESTA DE NOSSA SENHORA DA IMACULADA CONCEIÇÃO

“... havia um povo que, no final do ano, lá pelo mês de dezembro, reunia-se para louvar e agradecer o amor de Deus pai manifestado em Nossa Senhora, que em sua Imaculada Conceição trouxe salvação ao mundo. Juntos eles revezavam, refletiam e celebravam ! Com alegria e fé, foram passando essa tradição adiante ...
Agora no ano de 1999, você e sua família estão convidados para participar da novena e da festa de Nossa Senhora da Conceição. Será um momento de encontros, reencontros e, sobretudo, de muita fé. Venha ! Sua presença é muito importante para continuarmos esta história ! ”
Texto divulgado no panfleto chamando a comunidade para a festa da Nossa Senhora da Imaculada Conceição

As principais atividades da festa da padroeira de Viamão são realizadas no mês de dezembro. Os festejos possuem uma programação geral com atividades religiosas e sociais. O centro dos eventos é a própria paróquia e a organização fica a cargo de uma comissão de organização chamada de “festeiros” composta por 27 pessoas na oportunidade em que acompanhamos. Nos meses que antecedem o evento, os festeiros fazem diversas reuniões na igreja antecipando todos os procedimentos necessários para a realização da festa da padroeira. Estas reuniões e a organização como um todo são realizadas em parceria com as capelas localizadas nas vilas próximas ao núcleo central da igreja matriz de Viamão.
A programação observada iniciou no dia 29 de novembro e se estendeu até o dia 8 de dezembro. No período de 29 de novembro a 07 de dezembro foi realizada uma Novena em louvor à Nossa Senhora da Conceição. Cada dia da novena foi dedicado a um tema específico do tipo: “Maria, Mãe fiel e corajosa”, “Maria Mãe dos caminhantes”, “Maria, rainha das famílias”, ... O tema central da festa do ano de 1999 foi: “Com Maria rumo ao Novo Milênio”. Entre os dias 1º e 3 de dezembro aconteceram apresentações artístico-culturais na frente da igreja, atividade que envolveu um grande número de viamonenses, especialmente no dia 03 de dezembro, oportunidade na qual a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) se apresentou pela primeira vez na cidade de Viamão. Para a realização desta atividade houve uma espécie de parceria entre a paróquia e a Prefeitura Municipal de Viamão, através da Secretaria Municipal de Cultura. No dia 5 de dezembro ocorreu o almoço festivo à Nossa Senhora da Conceição no salão paroquial da matriz, reunindo cerca de 300 pessoas. Entre elas, estiveram presentes representantes dos poderes público executivo e legislativos, entre outras autoridades. O prefeito municipal, o presidente da Câmara de Vereadores e demais integrantes dos poderes executivo e legislativo prestigiaram o evento. O cardápio principal do almoço era composto de churrasco e buffet de saladas. Um comunicador, através de um sistema de som com alto-falantes distribuídos no entorno da igreja, fazia o trabalho de emissão de recados e animador da festa. Após ao almoço foi realizada uma missa e uma procissão. No encerramento das festividades, dia 8 de dezembro, houve novamente um almoço comemorativo, uma missa e uma procissão luminosa pelo centro da cidade de Viamão.
A programação pesquisada e observada que tem por objetivo reunir a comunidade de um modo geral, tentando trazer um bom número de viamonenses a participar das festividades da padroeira merece um destaque. Pelo fato de que as grandes vilas populares de Viamão e, portanto, a maior densidade da massa populacional encontram-se nas margens da RS 040, especialmente no trecho entre as paradas 32 e 42, a adesão destes viamonenses nas festividades da padroeira realizada no centro da cidade não acontece de uma forma expressiva. Agrega-se a estes aspectos geográficos e populacionais uma “Cultura” de deslocamento do tipo pendular desta população citada em direção ao centro de Porto Alegre e não ao centro de Viamão.
Segundo relatos dos religiosos entrevistados, a Festa do Divino Espírito Santo que acontece anualmente no centro de Viamão talvez tenha uma expressão e uma adesão popular maior que as festividades realizadas em torno da padroeira da cidade. Esta festa possui características semelhantes a festa da padroeira, especialmente devido a sua origem cultural de cunho luso-brasileira.


3. ALGUNS DADOS HISTÓRICOS SOBRE AS COMUNIDADES EM DEBATE

Nesta parte do trabalho, trazemos alguns dados históricos que remontam ao início do povoamento das comunidades que estamos investigando. Cabe destacar as diferenças entre os períodos histórico de fundação da Paróquia do Centro de Viamão em contraste com o período histórico que define a fundação da Paróquia da Santa Isabel.
Segundo alguns historiadores como Clóvis Silveira de Oliveira, o surgimento da “Freguesia de Viamão” está ligada às viagens que João de Magalhães faz por volta de 1714 por orientação do então Governador do Rio de Janeiro D. Francisco de Távora que pretendia “fazer vistorias nos lados do sul” . O povoamento do extremo sul do Brasil acontece, segundo o historiador Walter Spalding, com a chegada de Dona Ana da Guerra, irmã do Capitão-mor Francisco de Brito Peixoto, fundador de Laguna e um dos grandes tropeiros da época, mais seu genro, João de Magalhães, que estabeleceram-se nos “Campos de Viamão” . Ali, em terras de Dona Ana, foi erguida uma capelinha em louvor de Nossa Senhora da Conceição e Santana e, ao seu redor, logo se formaria uma pequena localidade que ficou conhecida por Lombas de Santana . Neste momento se materializa, através da capela, o primeiro ato efetivo de adoração à Nossa Senhora da Imaculada Conceição.
Em meados de 1740, fato semelhante provocaria o surgimento de um outro povoado. Francisco Carvalho da Cunha doaria uma légua de terra para a construção de uma outra capela, a de Nossa Senhora da Conceição do Viamão, que logo se transformaria em uma igreja. Esta segunda capela chegou a categoria de igreja e permanece no local onde ainda hoje encontramos a Igreja Matriz de Viamão. Em volta desta igreja fundou-se um grande povoado, povoado de Viamão, que já em 1747 era elevado à categoria de freguesia.
Já relacionando a ocupação do centro de Viamão com a sua periferia, é interessante destacar um outro dado que remonta à dinâmica social e espacial desta época e que sugere um tipo de interpretação que aqui empenhamos. Na sua relação com o mundo exterior, o povoado de Viamão estava distante do mar (cerca de 120 Km) e sem possibilidade de erguer qualquer tipo de porto na sua costa, só possuía comunicação com o restante do Brasil por terra. Porém, em determinado momento, descobriram, a mais ou menos 60 Km de distância da sede do povoado, uma grande lagoa denominada de “Guaybe” pelos indígenas. Este fato levou os habitantes de Viamão a criarem um porto naquele local, o Porto de Viamão. Este mesmo porto passaria a ser denominado Porto do D’Ornelas ou Porto do Dorneles, quando da radicação de Jerônimo de Ornelas (mais seus agregados e parentes) naquele mesmo local e de Porto do Dionísio, quando utilizado como escoadouro da estância de Dionísio Rodrigues Mendes (Fundador da Capela de Nossa Senhora de Belém, hoje Belém Velho). A chegada dos casais açorianos, em 1752, marca o início da colonização do então Porto de Viamão (nome dado a um ancoradouro nos fundos da Sesmaria de Jerônimo de Ornellas, onde está agora a Praça da Alfândega). Instalados em casas de palha no local onde encontramos hoje a atual Praça da Alfândega, os casais vindos das Ilhas dos Açores inauguravam o que viria a ser “um arraial bastante fértil”.
A primeira ocupação do trecho inicial no eixo “Porto de Viamão” – “Freguesia de Viamão” (Rio Guaiba até a atual divisa dos Municípios de Viamão e Porto Alegre) acontece no momento em que Jerônimo de Ornelas se estabelece no Porto de Viamão e escolhe o Morro Santana para construir a sede da sua sesmaria (Segundo Oliveira nas imediações da atual Escola de Agronomia da UFRGS). Nas medidas atuais, essa sesmaria teria uma área de aproximadamente 14.000 hectares, abrangendo assim a atual área da Santa Isabel . Contudo, uma ocupação mais efetiva observada na área da Santa Isabel remonta aos anos 50 e 60 do século XIX foi uma das primeiras a sofrer a ocupação urbana característica da segunda metade deste século no município. Segundo a nossa pesquisa, percebemos que até ao final da década de 40, toda esta área, situada a Leste do Morro Santana, num extenso vale, era rural, compreendida por várias chácaras e tambos de leite. O primeiro loteamento a surgir foi denominado “Lomba do Sabão”, inscrito no Cartório de Registro de Imóveis do Município em 07 de janeiro de 1944. A ocupação efetiva dos altos da atual Avenida Liberdade (Via do Trabalhador), no entanto, só ocorreu a partir de 1953, com o loteamento “Nossa Senhora Medianeira” .
O referido loteamento surgiu no lugar onde se situava a chácara do agrimensor Francisco Hormes, que adquiriu a propriedade de Breno Alves (morador de Porto Alegre). Hormes veio de Taquara e como devoto de Nossa Sra. Medianeira, ao fazer o loteamento, reservou um pedaço de área verde para a construção de um santuário, a primeira capelinha católica da região, localizada na rua Dr. Nilo. Desta forma, inicia-se a ocupação urbana do território, surgindo também os equipamentos de infra-estrutura. Ao lado da área reservada à Capela foi instalado uma bomba d’água com poço artesiano para o abastecimento, identificada pela população como “Bica”, cujo vertedouro ainda existe bem como a referida bomba d’água. Com o passar dos anos, o local foi abandonado e ocupado por moradias irregulares. Somente na década de 80 é que membros da comunidade católica reiniciaram o processo de utilização da Capela, que já foi ocupada por uma escola que incendiou e mais tarde foi instalado no local um posto policial. Atualmente a área é utilizada por um Clube de Mães.
A Igreja da Santa Isabel teve sua primeira sede onde hoje localiza-se a Escola Estadual Walt Disney e o centro Espírita Caminho da Luz, confluência das ruas Medianeira e Lisboa (Ver mapa anexo). Sobre as razões que ocasionaram a mudança do local da igreja, existem duas afirmativas recorrentes nas falas dos nossos informantes. A primeira indica que os padres perceberam que havia um maior fluxo de pessoas nas imediações da atual Avenida Liberdade, resolvendo, portanto transferi-la para onde ela está atualmente. A Segunda depõe sobre uma calamidade acontecida em torno de um grande vendaval que destruiu a igreja localizada na confluência das Ruas Lisboa e Medianeira e esta seria uma das razões do deslocamento do centro religioso para um outro local, em função de existir uma avaliação que a atual localização não era mais viável para o centro religioso. Existe um questionamento popular sobre a posse do primeiro sino da Igreja da Santa Isabel que, após ao vendaval, haveria sido transportado, juntamente com o resto dos materiais de construção da igreja para a comunidade Santo Agostinho na Vila Augusta. O sino que era da Santa Isabel, ainda está, segundo depoimento de moradores entrevistados, na igreja da Vila Augusta.


4. ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS FESTAS POPULARES RELIGIOSAS PESQUISADAS

A comparação analítica que realizamos entre a festa da padroeira de Viamão com a festa da padroeira da Santa Isabel nos permite traçar alguns eixos distintivos entre estes dois eventos populares viamonenses.
A festa da padroeira de Viamão, Nossa Senhora da Imaculada Conceição, possui um caráter mais oficial a nível da municipalidade local, quando comparada a festa da padroeira da Santa Isabel, uma vez que trata-se da festa da padroeira da Cidade de Viamão, independente da maior ou menor adesão de seus munícipes. Esta oficialidade é observada claramente, por exemplo, diante da parceria entre a paróquia da matriz de Viamão e o poder público municipal que entra como patrocinador direto e co-organizador dos eventos festeiros da matriz como ocorreu em 1999, onde houve todo um engajamento da prefeitura, através da sua Secretaria Municipal de Cultura, no sentido de viabilizar as apresentações artísticos-musicais durante os festejos, especialmente a apresentação da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Neste sentido, a festa de Santa Isabel tem um caráter mais comunitário e popular e menos oficial, no que concerne na sua relação com a administração pública local. Os agentes sociais que atuam na sua organização são mais informais, oriundos das camadas mais populares das redondezas da paróquia, emprestam uma originalidade de festa popular de cunho religioso típico de cidades mais interioranas. Ao passo que a festa da Imaculada conceição não contando com uma adesão popular das mesmas proporções da Santa Isabel, possui um caráter mais formal e institucional, pois conta com o apoio profissional de técnicos da administração pública local que colabora na sua organização. Portanto, temos a festa da Imaculada Conceição com uma adesão popular muito menor do que a festa da Santa Isabel. Segundo a nossa perspectiva de análise social e diante da realidade observada em campo, isto acontece devido ao contexto social em que encontram-se estas duas paróquias. A paróquia de Santa Isabel encontra-se em meio a cerca de 15 vilas populares onde a população conta com uma renda média que não ultrapassa dois salários mínimos, nível de escolaridade que circunda as iniciais séries do 1º grau, enfim trata-se de uma comunidade carente em todos os sentidos. A paróquia da Matriz de Viamão encontra-se em uma área nobre da cidade, um dos centros históricos de maior expressão da região metropolitana, com uma população de alto poder aquisitivo, atendida na maior parte de suas necessidades de estrutura físico-social como saneamento, rede de água e eletricidade, sistema bancário e de serviços públicos, etc.
Analisando o material de divulgação das festas religiosas em debate (Ver anexo 6), observamos alguns detalhes que devem ser aqui lembrados. O material de divulgação da festa da padroeira de Santa Isabel é bem mais simples, não contendo lista de empresários colaboradores, se comparado ao material de divulgação da festa da Imaculada Conceição que traz uma lista extensa de apoios de empresários locais. Esta observação reforça a tese anteriormente exposta, no que diz respeito ao nível de popularidade dos dois eventos. O material da Santa Isabel representa ter um custo financeiro menor do que o produzido pela matriz de Viamão que possui um colorido mais rico e expressivo do que o anterior. Nestes materiais é interessante destacar também que no chamamento da festa de Nossa Senhora da Imaculada Conceição a imagem central é a do templo religioso e não a da santa. Isto não acontece no material de chamamento para a festa de Santa Isabel que traz uma imagem com baixa qualidade gráfica de um busto da santa e não a do seu templo. A constatação direta para esta opção se dá pelo fato de que o templo da Conceição é um prédio histórico construído no século passado, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, sendo por isso muito procurado e contemplado por pessoas que diariamente o visitam com objetivo de simples contemplação ou mesmo para fins de pesquisa e análise científica.
Para concluir esta comparação analítica, não poderíamos de dar destaque para as origens culturais e étnicas fundadoras das duas igrejas que tem reflexo direto nas festividades por elas organizadas. Fica bem claro para nós a origem luso-brasileira na fundação da Igreja da Nossa Senhora da Imaculada Conceição, ligada aos traços dos primeiro colonizadores que aqui chegaram nos séculos passados. Já em 1549, quando D. João III, Rei de Portugal, determinou enviar ao Brasil o Governador-Geral Tomé de Sousa, e com este vieram o Padre Manuel da Nóbrega e os primeiros jesuítas, temos a nominação desta santa em um dos três navios de Tomé de Souza: o Salvador, Nossa Senhora da Ajuda e Nossa Senhora da Conceição. Foram essas as invocações das três primeiras igrejas edificadas na cidade do Salvador, onde Tomé de Souza fixou a sede do seu governo: São Salvador (que deu nome à capital); Nossa Senhora da Ajuda e Nossa Senhora da Conceição da Praia que ficava então nos arredores e hoje fica dentro da cidade. No caso das origens fundadoras da Igreja de Santa Isabel, percebemos que a influência que incide sobre a sua fundação remete para um outro período histórico bem mais recente, décadas de 40 e 50 do século XIX e que a descendência cultural e étnica também possuem uma outra matriz. Foram imigrantes europeus oriundos da Itália, Alemanha e Suécia os primeiros fomentadores do projeto de se ter a comunidade religiosa reunida em torno de um templo católico. Diante da necessidade de se eleger a padroeira da localidade, sederam a alternativa trazida pelo pároco da época que era de origem sueca e propôs que se elegesse a Santa Isabel da Hungria , em função das suas características populares e assistenciais. Estes imigrantes viviam em uma realidade social bastante difícil, diante da necessidade de fundar de fato toda uma estrutura e um aparato de cidade que não possuíam, frente a uma série de carências econômicas optaram pela sugestão do pároco Guilherme Span, primeiro padre desta paróquia.


CONCLUSÃO

Os sistemas simbólicos (alimentares, de vestuário, publicitários, religiosos, etc.) possuem processos dinâmicos de significação que lhe atribuem sentido, segundo o contexto social e cultural em que estão inseridos. Esta é um eixo conclusivo deste trabalho que realizamos, segundo a orientação das teorias da cultura. Ou seja, as festas populares religiosas pesquisadas estão inseridas em um sistema simbólico de cunho religioso com processos próprios de significação construídos conforme o contexto social em que estão inseridas. A exemplo do que nos ensina Sahlins existe uma razão cultural em nossos hábitos alimentares, de vestimenta e de cunho religioso que define a nossa relação com os elementos inseridos dentro destes sistemas de significado. Alexandre Bergamo destaca um pressuposto muito próximo deste que citei de Sahlins quando afirma: “O Sentido da moda está em que a roupa significa algo, e esse significado, além de diferir em função do grupo pesquisado e de sua posição no interior da estrutura social, imprime e direciona diferentes condutas para esses diversos grupos sociais.” (BERGAMO, 1998)
Ao propor o relacionamento duas festas populares religiosas das padroeiras de Santa Isabel e de Viamão, não havíamos travado contato com o trabalho de Geertz – Os Usos da diversidade – mas até parece que já havíamos, pois na afirmativa “Imaginar diferenças continua sendo uma ciência da qual todos nós temos necessidade” (GEERTZ, 1999) está contida toda a nossa intenção e a nossa necessidade de refletir sobre as prováveis diferenças entre os dois contextos sociais aqui expostos. Para além das criações grotescas e desconexas com as realidades sociais devidas, esta necessidade de que fala Geertz está intimamente ligada a um pressuposto bachalardiano. Esta percepção do poder da imaginação é um tema essencialmente bachelardiano e, segundo o meu ponto de vista, deve ser assim encarado. Bachelard vai propor a fenomenologia da imaginação, conjugada com uma fenomenologia da imagem poética, destacando “a imagem vem antes do pensamento” (No sentido de uma arqueologia das imagens). Tomando a casa como exemplo, Bachelard mostra como a imaginação é capaz de sobrepujar as percepções do real: “Ao seu valor de proteção, que pode ser positivo, ligam-se também valores imaginados, e que logo se tornam dominantes.” (Bachelard, 1988)
A nossa hipótese inicial de trabalho, no que concerne às diferenças sociais entre as duas comunidades estudadas, se confirmam no encerramento desta monografia. Através da análise dos festejos populares em destaque, percebemos que as diferenças na ocupação do território, bem como a distinta formação étnica e social das áreas avaliadas se refletem hoje na organização das comunidades religiosas e nas dinâmicas populares e sociais de um modo geral presentes nestas localidades. Percebemos, portanto que “o significado é socialmente construído” (GEERTZ, 1999), segundo a realidade e o contexto social em que estão inseridos. Os esquemas de significação social referentes a Santa Isabel diferem dos esquemas de significação social do restante de Viamão devido aos diferentes contextos histórico-sociais que estas comunidades se fundaram e se construíram. Os dados históricos e etnográficos demonstraram que a “diferença imaginada” por este pesquisador, segundo os resultados deste trabalho, foi verificada nos dados colhidos em campo. Para finalizar esta conclusão, gostaria de destacar a importância que a antropologia tem neste trabalho de relação com as diferenças sociais, diante da sua proposta de sempre relativizar os nossos pré-conceitos no processo de construção e de investigação dos nossos objetos de estudo. Dentro da área antropológica, a etnografia merece ser lembrada, a exemplo do que Geertz avalia sobre os usos da etnografia: “Ela é a grande inimiga do etnocentrismo, do confinamento de pessoas em planetas culturais onde as únicas idéias que precisam invocar são ‘aquelas em torno daqui’, não porque assuma que as pessoas são todas iguais, mas porque sabe quanto elas não o são e como são incapazes, ainda assim, de se desconsiderarem mutuamente. Mesmo que um dia tenha sido possível e mesmo que hoje provoque saudades, a soberania do familiar empobrece a todos; (...) A Etnografia, ou uma delas em todo caso, é sem dúvida fornecer, como fazem a história e as artes, narrativas e cenários para refocalizar a nossa atenção.” (GEERTZ, 1999)



BIBLIOGRAFIA (Do Capítulo)

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11. SAHLINS, Marshall. “La Pensée Bourgeoise.” In. Cultura e Razão Prática. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
12. SANTOS, Armando Alexandre dos. O Brasil sob o manto da Imaculada. São Paulo: Ed. Artpress, 1996.
13. VELHO, Gilberto. O Desafio da Cidade. Novas Perspectivas da Antropologia Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1980.


C a p í t u l o
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PÉROLAS
Acredito, conforme ensinou Aristóteles, que “A Poesia encerra mais filosofia e elevação do que a História; A Obra do poeta não consiste em contar o que aconteceu, mas sim as coisas quais podiam acontecer, possíveis no ponto de vista da verossimilhança ou da necessidade”. É importante destacar que aqui não vai nenhum demérito para os historiadores, muito pelo contrário, pois admiro sobremaneira o trabalho destes profissionais. Quem decidiu trazer os historiadores a baila foi o Aristóteles e não eu. Contudo, acho muito pertinente esta citação aristotélica para salientar a fundamental importância que a poesia tem (ou deveria ter) para nós.
O objetivo aqui é, a luz de Aristóteles em – A Poética – introduzir o tema da poesia e determinar o que estou chamando de pérolas: Trabalhos de criação poética que estão presentes neste compendio.
A primeira “Pérola” – Uma Mala na Mão, Um Sonho no Coração – é um texto muito importante para mim, pois foi feito em homenagem ao meu pai, (Zeferino Jacomini) já falecido. Na oportunidade em que comemorávamos o seu aniversário, decidi notabilizá-lo através de uma instalação com fotografias antigas e objetos de uso pessoal, especialmente uma antiga mala que trouxe a sua bagagem de Passo Fundo para Porto Alegre. Foi então que construí este texto que foi lido em um dos últimos momentos em que tivemos o prazer de comemorar a conquista de mais um ano de vida.
A segunda “Pérola” – Dinâmica – está relacionada a primeira. Após a morte de meu pai, me coloquei a pensar, refletir e analisar todo o contexto daquela situação. Perguntava para mim mesmo: Por que o meu pai morreu? Refazia esta pergunta muitas vezes e outras relacionadas a esta, e depois de algum tempo, parece que ele me respondeu bem baixinho no meu ouvido: foi a dinâmica da vida, meu filho!
A quarta “Pérola” – Tributo ao Morro Santana – foi como um grito para que as pessoas aprendam a notar o que está muito próximo de nós e que muitas vezes não queremos ver. Neste caso, trata-se de um morro imenso, o ponto culminante da Cidade de Porto Alegre, que é simplesmente desconsiderado pelos viamonenses. Gritei e grito: olhem o morro!! Ele faz parte da nossa história !! Ele abrigou o nosso maior (ou principal) ancestral (Jerônimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos) !! Nem sempre sou ouvido, mas vou continuar gritando.




UMA MALA NA MÃO, UM SONHO NO CORAÇÃO

Bachelard nos ensina que “a vida começa bem, começa fechada, agasalhada no regaço da casa.” Contudo, chega o dia em que precisamos sair da casa natal, do lugar primeiro para experimentar outras paragens. Como não podemos carregar uma casa inteira, quando partimos de algum lugar, elegemos alguns objetos e pertences mais significativos para que eles nos acompanhem.
Tão importante quanto a própria caminhada, estes objetos são selecionados porque representam um pouco das nossas emoções, dos nossos sentimentos, afeições, amores, carinhos. A mala - de mão, de garupa ou mesmo apenas uma trouxa - de alguma forma passa a representar, mesmo que transitoriamente, o que a nossa casa, deixada para trás, representa: o nosso canto no mundo, o nosso primeiro universo. Local de refúgio e abrigo que sempre buscamos quando todos os outros lugares são apenas lugares.
Mala – Casa ?? Sim !!! Mala – Casa. A relação metafórica é essa, pois “podemos viver a casa em sua realidade e em sua virtualidade, através do pensamento e dos sonhos, em função de que todo o espaço realmente habitado traz a essência da noção de casa.”
Com a mala na mão e um sonho no coração partimos. E porque Partimos ?? Partimos em busca de novos horizontes, em busca de novas casas, em busca da realização de nossas utopias, que ao mesmo tempo em que nos remetem para saciar algumas necessidades básicas de qualquer ser humano, também nos movem para a construção de grandes realizações. Poderíamos dizer, enfim que, para nós, gente humilde e trabalhadora, estas realizações são, nada mais, nada menos do que a luta por uma vida digna, em uma casa agradável, com um emprego decente, uma remuneração adequada, enfim buscamos o que acreditamos ser e chamamos de FELICIDADE.
Se temos uma mala na mão e sonhos no coração, nos aventuramos na estrada da vida, buscando a FELICIDADE.
Foi este processo contínuo da busca da FELICIDADE, inerente a todos os seres humanos, que trouxe um jovem de 24 anos, da longínqua cidade de PASSO FUNDO para a capital do nosso Estado. Filho de Olinda Corá e Adolpho Jacomini, ambos pequenos agricultores, ZEFERINO JACOMINI, optou por ingressar na Carreira Militar e foi esta opção profissional que o trazia naquele momento para Porto Alegre. Membro de uma família numerosa, 13 irmãos, ZEFERINO JACOMINI faria carreira profissional na Brigada Militar tendo prestado cerca de 30 anos de trabalho nesta corporação. Durante estes longos anos, sempre atuou com uma conduta ética, disciplinar e moral exemplar, em razão disso, recebeu por várias vezes elogios verbais e escritos dos seus superiores hierárquicos.
A sua atuação como pai, amigo, irmão e esposo também sempre foi exemplar. Em função disto, hoje prestamos-lhe esta singela homenagem que tenta resgatar um pouco da sua história de vida.
“Lendo a sua mala” e o que nela trouxe de Passo Fundo, percebemos que JACOMINI, seu nome de guerra, hoje nos apresenta uma trajetória de vida infinitamente rica e sólida. Rica em experiência, em motivações que o fizera vencer os obstáculos da cidade grande, em força e tenacidade nos seus ideais e nos seus objetivos. Sólida na busca da manutenção da família, da preservação dos valores morais e éticos passados por seus pais.
Mário Quintana falou em verso de seu pai no poema “As Mãos de Meu Pai”:
“ As tuas mãos têm grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já da cor da terra
- como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos ...
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida.” (...)

Nós optamos pela prosa para falar do nosso pai, nestas poucas linhas denominada “Uma Mala na Mão, um Sonho no Coração.”

Enfim, só temos a agradecer e prestigiar este homem especial que por ainda buscar a felicidade nos ensinou a sermos felizes.

Pai, obrigado por tudo. Nós te amamos muito.
Jaques, Charles, Esteder e Nina.


Viamão, junho de 1999.













DINAMIKÉ (Dinâmica)


Constrói e destrói.
Movimento incessante.
Dá a vida, oferecendo a morte.
Processo Vital.
Relação natural.

Dynamis vital.
Dynamis primordial.
Dynamis final.
Dynamis mortal.
Dynamis funcional.

Eu sou dynamikós.
Tu és dynamikós.
Nós somos dynamikós.
É possível não ser dynamikós ?
É possível existir sem dynamiké ?

Dinamogenia (dynamis + genes)
Exaltação funcional.
Influxo de uma excitação.
Morte e vida.
Satisfação e agonia.

















TRIBUTO AO MORRO SANTANA


Ao Cair da Tarde nos pés da Capela de Santa Ana

Finda o dia aos pés do Morro de Santa Ana (ou Santana).
Aquela luz, altiva e forte, que nascera contemplando o vale,
Agora desce lenta e calma, para descansar em definitivo atrás do oiteiro de Ornelas.

Protegidos no interior do vale,
Toda uma nação também se prepara para o repouso diário.
A noite pode ser fria, mas o vento não nos alcança,
Graças ao poder incomensurável da tua proteção, ó imenso parceiro !!
Já nos denominaram de “Campos de dentro de Viamão”,
Cultura endógena facultada claramente a quem nos protege e estimula, Morro de Santa Ana.

Em nome de uma tal de “Cultura Material”, te escavam, te corrompem, te dilaceram buscando acesso ao teu passado nos sítios arqueológicos que guardas como prova da tua história e magnitude.
Para preservar a tua integridade, a tua forma e tua face nada mais racional do que “escavar” apenas os teus sítios mnemônicos, presentes no imaginário dos teus filhos que guardam com carinho tuas lembranças.

Em nome de uma tal “Dinâmica Urbana”, te alteram, te danificam, te ferem, quase te exterminam. É a luta pela vida, pela permanência da existência das vidas humanas que só existem no interior desta capela graças a tua magnifica existência.
Contudo, a tua sabedoria e bondade é maior do que a atrocidade e a brutalidade humana que te aflige, pois permanece altivo e forte fornecendo o pão que alimenta o teu povo, a lenha que aquece nas noites frias de inverno e os sonhos que alimenta as almas daqueles que por opção ou necessidade vivem nas tuas encostas.


Ao Cair da Tarde nos pés da Capela de Santa Ana

A tua história de vida é secular nesta retomada diária de nascimento e ocaso do amigo sol. A minha é reduzida a algumas décadas em que acompanho atento o momento em que guardas o sol a tuas costas.
E só para lembrar, tudo começou com um desbravador, homem leal, forte e aguerrido, oriundo da Ilha de Madeira, Portugal, chamado Jeronimo de Ornelas Menezes e Vasconcelos. Depois veio o Inácio de Francisco que comprou a estancia de Jeronimo. Logo após vieram os religiosos Padres José Gomes de Farias e Manoel Garcia de Mascaranhas. O capitão Pedro Lopes Soares viria a sucedê-los e tantos outros que hoje seria impossível enumerá-los.
Na contingência desta linhagem, tão altiva e magnânima quanto a tua própria existência, eu me apresento como herdeiro desta tradição, como soldado de defesa da tua imagem, da tua história e da tua própria permanência entre nós.
A defesa da tua integridade física, histórica e cultural é uma obrigação tácita para as gerações que nos sucederão neste universo protegido, hoje conhecido pela denominação também religiosa de uma outra santa, a Santa Isabel (da Hungria). As dificuldades do teu povo que escolheu a Santa Isabel como sua padroeira por se tratar da santa protetora dos pobres, doentes e necessitados amplia o contraste com a abundância e a riqueza das tuas potencialidades naturais.


Ao Cair da Tarde nos pés da Capela de Santa Ana

Guapira opposita (Vulgo maria-mole), mata-olho, araçá do mato, capororoca, tanheiro, cafeeiro-do-mato, Moritzia ciliata, Schlechtendalia luzulaefolia, ...
Estas são algumas das espécies vegetais que abrigas.
Ponto culminante desta região, do alto dos teus 311 metros é possível avistar quase tudo ao teu redor. Contudo, a essência do teu cume não está na tua forma, mas na tua rica história.

Já te ameaçaram muito, das tuas entranhas extraíram madeira, pedras, água.
Talvez este tenha sido o preço que tevês que pagar para abrigar e fomentar a população que hoje vive no teu vale.
Apesar das inúmeras cicatrizes que te deixaram, a tua natureza respondeu mais alto, renovando o teu potencial hídrico, vegetal e paisagístico.
Além desta ameaça física, direta e explicita, acredito que a maior ameaça que sofres é outra. Mais contumaz pela sua própria especificidade, silenciosa, sorrateira e paulatina, a maior ameaça que sofres talvez seja o esquecimento da tua história
O desconhecimento da tua magnitude e
O desprezo pela tua importância natural, histórica e cultural.
Neste sentido, a nação que tanto protegeste e que proteges tem uma imensa dívida.
O povo do Vale de Santa Ana (ou da Santa Isabel) te deve este reconhecimento.

Resgatando a minha parcela nesta dívida, te dedico estas palavras, como quem escreve uma carta para um pai que de não muito distante protege os seus filhos, mesmo que estes, por vezes, não o perceba.






As imagens a que o texto faz referência podem ser visualizadas no endereço abaixo:



http://www.panoramio.com/user/5198529






www.fotolog.terra.com.br/acidadedeviamao 









Reedições dos Principais Textos do Livro


ETNOCENTRISMO e
A ARTE INDÍGENA HOJE


A arte indígena representa, entre outras coisas, a resistência cultural de um povo diante do intenso processo de aculturação imposto pela cultura ocidental-capitalista-moderna. As nações indígenas, expostas a este processo, ao qual estão submetidos a vários séculos, resistem bravamente.
A moderna e ampliada divulgação dos princípios estéticos e artísticos dos “povos civilizados” (ou modernos) não consegui anular e extinguir algumas expressões artísticas dos “povos não civilizados” (ou primitivos). Para entender esta dinâmica e esta tensão entre estas etnias, culturas e cosmologias citadas é inevitável que, em primeiro lugar, se tenha informações corretas e concretas a cerca de alguns aspectos históricos que cercaram este processo de tensão e negação das culturas “mais adiantadas” sobre as “culturas menos desenvolvidas”. Em segundo lugar, é necessário que se empenhe um profundo exercício de relativização cultural e étnica, sem o qual incorremos em um equívoco sério que denomina-se “Etnocentrismo”.
Sobre este último aspecto cabe ressaltar que a relativização que falamos aqui é urgente e necessária não só em se tratando da relação índio X homem branco, mas de toda e qualquer aceitação “de outros grupos” que não o nosso próprio. As atitudes etnocêntricas, bem como as sociocentricas, culturocentricas, etc. servem exatamente para as propostas atrozes de extinção de raças, branqueamento de povos, limpezas étnicas. Sobre estas experiências sabemos que historicamente elas têm sido propagadas pelo mundo todo com um saldo extremamente negativo para toda a humanidade.
Arte é vida, arte é a construção real de um imaginário e uma cosmologia sonhada e construída no íntimo dos seres humanos. Antes de classificá-la com base em juízos de valor estritamente particulares e pessoais, é necessário que busquemos o entendimento e a compreensão dos seus significados, símbolos ou até mistérios.